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'Finzi-Contini' explora como o dinheiro dá falsa segurança no fascismo

Romance discute como não há saída para quem é perseguido pelo Estado quando o motivo é ser o que se é

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Noemi Jaffe

O Jardim dos Finzi-Contini

  • Preço R$ 69,90 (280 págs.); R$ 54,90 (ebook)
  • Autoria Giorgio Bassani
  • Editora Todavia
  • Tradução Maurício Santana Dias

Na epígrafe de “O Jardim dos Finzi-Contini” se lê que o coração sempre tem algo a dizer sobre o que vai ser. Mas que ele mal sabe apenas um pouco daquilo que foi.

Não poderia haver sabedoria mais apropriada para o romance que vai se iniciar, sobre o qual o coração sempre quer adivinhar o que vai acontecer, mas que, chegando ao final, só pode concluir que nada adivinhou, ou que só pôde esbarrar no que já passou.

O romance, escrito por Giorgio Bassani em 1962, se inicia com um prólogo escrito pelo narrador, alguém que compartilha vários traços biográficos com o próprio autor: morador de Ferrara, no norte da Itália, escritor e judeu.

Desde esse início ficamos sabendo que os protagonistas do livro —a família aristocrática e judia dos Finzi-Contini— estão todos mortos, a maioria por ter sido enviada para campos de concentração. Portanto, não se trata de saber o que sucederá com eles, nem como o fascismo, que começa a mostrar suas garras no final da década de 1930, os atingirá. Não é um romance de peripécias.

O caso, aqui, é de acompanhar a personalidade dos integrantes dessa família e suas reações ambíguas às ameaças de segregação.

Embora o narrador, sem nome, tenha se apaixonado por Micól, a filha jovem, misteriosa e fascinante, e tenha se tornado um grande amigo de Alberto, o filho intelectualizado e doente, não se pode dizer que ele seja um dos protagonistas.

Seu papel é mais o de oferecer um testemunho sobre a dinâmica pouco conhecida de famílias muito abastadas e assimiladas às culturas locais, mas que, nem por isso, deixaram de ser perseguidas e mortas pelos regimes italiano e alemão antes e durante a Segunda Guerra.

É claro que o dinheiro, a aculturação e o recolhimento atrás de imensos jardins davam a famílias como os Finzi-Contini a sensação de maior proteção. E é dessa falsa sensação que o romance trata.

O narrador, de classe média, e outros judeus da cidade, expulsos do clube de tênis local, passam a frequentar a mansão dos Finzi-Contini para ali disputar jogos na quadra, conversar e passear pelos quilômetros de jardim ao redor da casa. Nessa camaradagem, o narrador se apaixona por Micól, uma moça irônica, linda e com atitudes bastante dúbias de sedução e repulsa.

Seu irmão, Alberto, entabula conversas sérias sobre política e arte com o narrador e seu outro melhor amigo, o comunista Malnati, que ridiculariza ao mesmo tempo em que aproveita as mordomias da família. Tudo observado pelo patriarca e pela matriarca, liberais e esclarecidos, que educam os filhos em casa, longe dos perigos e da pobreza.

As tantas ambiguidades do romance —as atitudes de Micól com o narrador, a família judia mas assimilada, a discriminação ainda nebulosa contra os judeus— incluem também a adesão de inúmeros judeus ao partido fascista de Mussolini, mesmo depois de iniciadas as perseguições.

Entre outras coisas, o narrador diz que todos querem que os judeus sejam como os outros, mas quando eles são, acabam sendo repudiados por isso.

Não há saída para quem é perseguido pelo Estado, especialmente quando o motivo é ser apenas o que se é. “O Jardim dos Finzi-Contini” fala sobre isso e, infelizmente, também sobre um outro país, muito distante da Itália, no ano de 2021.

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