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The New York Times Televisão

'Friends: The Reunion' é máquina de nostalgia, e isso não é nada terrível

Especial é a senda da memória transformada em via expressa, mas ninguém assistia à série para lembrar males do mundo

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James Poniewozik
The New York Times

Os títulos dos episódios de "Friends" eram distintamente genéricos —“aquele em que Rachel e Ross dão um tempo”, “aquele com o macaco”.

O formato diz muito sobre a série. Primeiro, que era uma comédia que não se levava a sério, recusando por exemplo dar o nome de “Ozymandias” a um de seus episódios. Os títulos presumiam que os espectadores os esqueceriam. A série entendia como os fãs assistiam à televisão e falavam sobre isso.

“Friends: The Reunion”, especial doce e desleixado que chegou nesta quinta-feira ao HBO Max americano, deixa algo muito claro quanto a esses títulos —eles já surgiram dotados de uma nostalgia prévia. Eram escritos tendo em mente como as pessoas tentariam se lembrar do episódio anos depois, retrospectivamente, por exemplo num reencontro.

Pôster do especial "Friends - The Reunion", da HBO Max
Pôster do especial 'Friends - The Reunion', da HBO Max - Divulgação

E, quando digo “as pessoas”, incluo os atores que estrelavam a produção. “Vocês se lembram daquele em que os garotos jogavam bola o tempo todo?”, Jennifer Aniston pergunta a seus antigos colegas. (E o título era, de fato, “aquele com a bola”). Mais adiante, Matt LeBlanc se lembra de ter assistido na cozinha de casa a uma reprise de “aquele com a calça de couro”. (O título na verdade era “aquele com as resoluções”.)

Os astros de “Friends” são mais ou menos como nós, se não levarmos em conta alguns zilhões de dólares e capas de revistas a mais. Eles só querem recordar. E a reunião é uma máquina de recordações. Central Perk, OK. “Smelly Cat”, OK. “Nós estávamos dando um tempo”, OK.

Nostalgia era parte de “Friends” desde o seu conceito, que David Crane, um dos criadores da série, descreve como “uma história sobre aquele período da vida em que seus amigos são a sua família”.

Em outras palavras, é uma série sobre uma época que você sabe que vai acabar mesmo enquanto a está vivendo e que será recordada mais tarde, em meio a uma vida nova e novas responsabilidades, romantizada como os dias em que você era jovem, gostoso e vivia falido, mas mesmo assim morava em um apartamento absurdamente grande.

Por isso, o especial é a senda da memória transformada em via expressa, em 105 minutos que unem diversos formatos —entrevistas em estilo de talk show com James Corden, um tributo repleto de celebridades, uma coleção de imagens de bastidores e a recriação de cenas clássicas.

Mas, para começar, as lágrimas. “Friends” sempre se equilibrou entre roteiros cômicos muito bem sintonizados e pieguice, e a reunião começa e termina com este último sentimento. Os membros do elenco entram no velho set no estúdio da Warner Brothers, um por vez, recebendo abraços ao som de uma trilha sonora angelical, como se estivessem se reunindo no além –o que estão, no sentido televisivo.

Duvido que os fãs vão se incomodar com essa dose de sentimentalismo. “Friends” talvez seja a sitcom mais querida de todos os tempos —e com isso não quero dizer que seja a melhor, ou mesmo a mais popular, e sim que seu sucesso estrondoso gerou uma afeição calorosa do público com o programa e seus personagens. “Tudo em Família” motivava debates. “Os Simpsons” construíram um mundo enorme. “Friends” só fez amigos.

Por isso, os depoimentos obrigatórios de famosos são bacanas, mas supérfluos –ainda que seja charmoso ouvir Malala Yosafzai, ganhadora do prêmio Nobel da paz, ser descrita por sua melhor amiga, Vee Kativhu, como “Joey com uma pontinha de Phoebe”.

As entrevistas com Corden também parecem periféricas em meio aos outros elementos do programa, especialmente porque tantas de suas perguntas começam por “você se lembra de quando” e “o que você lembra sobre”. (Uma questão sobre relacionamentos fora da tela resulta numa quase revelação que um time competente de assessoria de imprensa vai tentar alardear como se fosse prova de que existe vida em Marte.)

O especial é melhor quando sai do caminho do elenco e nos mostra o que nos atraía neles, e o que os atraía uns aos outros. Como aponta o especial, eles todos eram relativamente desconhecidos e foram arremessados de repente ao panóptico das celebridades. Agora são como uma tripulação de astronautas unida por essa experiência extraterrestre. Como diz David Schwimmer, só os seis sabem o que cada um deles passou, e existe um sentimento de proteção entre eles.

A melhor coisa da reunião reside no que ela não é. O elenco e os criadores da série insistem que nunca farão uma retomada, revelando onde os personagens estão agora. (Lisa Kudrow diz que “não quero o final feliz de ninguém destruído”, e graças a Deus por isso.)

Em vez disso, eles recriam a experiência da série reencenando algumas cenas, como o jogo de conhecimentos gerais entre os meninos e as meninas em “Aquele com os Embriões”, e as leituras de textos finais de alguns episódios.

“Friends” não chegou aonde chegou só por causa de bordões e cortes de cabelo. A leitura do elenco de “Aquele com a Água-Viva” —em que Chandler, Joey e Monica confessam ter usado o (mítico) truque de urinar na área ferida para aliviar a dor de uma queimadura do bicho— mostra o talento necessário para extrair risadas de uma cena de comédia escrita como se fosse um drama de sobrevivência.

Na análise da sequência em que eles carregam o sofá, a cena quase sem diálogos se torna clássica só por causa do jeito como Schwimmer dá a ordem. "Girem."

“Friends: The Reunion” não é um reality show, nem uma reportagem. Há muito sobre o qual não se fala —as contenciosas negociações de contratos, as críticas à série por seu elenco quase todo branco, problemas pessoais ou de saúde.

Quando um espectador pergunta o que desagradava aos atores na produção da série, Corden critica, brincando. “Que linda maneira de manter tudo positivo!”, diz o humorista. (A resposta coletiva revela o macaco Marcel como um mau companheiro de elenco.)

Mas ninguém assistia a “Friends” para relembrar os males do mundo. Isso é o que vem depois do fim, quando você sai de seu primeiro apartamento e encara uma hipoteca. O objetivo aqui é assistir aos astros juntos, supostamente pela última vez —“não vamos fazer isso de novo daqui a 15 anos”, diz Courteney Cox. E as reprises, em que o passado é imutável, continuam disponíveis.

Tradução de Paulo Migliacci

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