José Damasceno cria imagens com elásticos e cigarros em maior mostra de sua obra

Pina Estação, em São Paulo, faz retrospectiva de 30 anos de trabalhos do artista carioca

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São Paulo

Nada é o que parece na obra de José Damasceno. Árvores são esboçadas com cigarros fincados na parede, cordilheiras se formam a partir de uma série de martelos dispostos lado a lado, uma pintura abstrata surge do derretimento de giz de cera colorido, e borrachas de escritório se materializam com camadas de mármore.

O artista carioca quer “evidentemente encorajar a imaginação —você vai tentando entender o que está se passando à sua frente”, ele diz, em referência às obras expostas na sua maior mostra já realizada, em cartaz até 30 de agosto na Pina Estação, em São Paulo.

Organizada por José Augusto Ribeiro, a mostra “José Damasceno: Moto-contínuo” reúne cerca de 80 trabalhos do artista, realizados entre 1989 e 2021, abarcando a curiosidade que parece infinita de Damasceno pelas coisas do mundo.

Há desenhos em caneta esferográfica e hidrocor, intervenções sobre fotografias em preto e branco, um robô de isopor, um neon, esculturas em metal e madeira que lembram as peças de Arthur Lescher —seu contemporâneo— e trabalhos de grandes proporções nos quais “objeto e ideia se confundem”, nas palavras do artista.

Um exemplo disso é a famosa obra “Snooker”, de 2001, uma mesa de sinuca sobre a qual caem milhares de fios de lã amarela vindos a partir de duas luminárias dispostas sobre a mesa, como se a iluminação se tornasse matéria, tipo fios de ovos gigantes.

“O trabalho cria essas imagens em que alguns fenômenos estranhos, sorrateiros, começam a invadir as cenas aparentemente mais triviais. Os sentidos dos trabalhos de Damasceno estão sempre em aberto”, afirma o curador.

Obra de José Damasceno, na exposição 'Moto-Contínuo', na Pina Estação
Obra de José Damasceno, na exposição 'Moto-Contínuo', na Pina Estação - Isabella Matheus/Divulgação

A concepção da exposição levou cerca de dois anos, conta o curador, e, embora não esteja organizada cronologicamente, tenta periodizar a obra do artista —um nome importante da cena contemporânea e com certo destaque no exterior—, acompanhando a evolução de seu trabalho.

Estão expostos trabalhos menos conhecidos com outros montados poucas vezes, mas que circularam bastante, reproduzidos em livros de referência sobre arte brasileira, como “Trilha Sonora”, a obra da cordilheira de martelos, que reaparece na cidade quase 20 anos após ter sido montada na 25ª Bienal de São Paulo, ocupando uma parede inteira do espaço expositivo.

Obra de José Damasceno, na exposição 'Moto-Contínuo', na Pina Estação
Obra de José Damasceno, na exposição 'Moto-Contínuo', na Pina Estação - Isabella Matheus/Divulgação

As obras de Damasceno não se esgotam nelas mesmas, quase sempre remetendo a outros universos “Método para Arranque e Deslocamento”, uma instalação feita com carpete que ocupa uma sala toda, leva o visitante para o espaço burocrático de um escritório, o convidando a caminhar sobre uma forração acinzentada que se desprende do piso em alguns trechos.

Executada em 1993, essa instalação marcou um momento no qual o artista passou a ocupar o espaço com suas obras, depois de seu começo, quando produziu objetos em madeira e aço, influenciado por formas geométricas.

“Método para Arranque e Deslocamento” marca também o aparecimento do interesse de Damasceno por materiais da vida prática, diz o curador —nos anos seguintes, o artista criaria imagens com elásticos, cigarros, pedras e fios de lã.

Damasceno, hoje com 52 anos, não teve educação formal na área. Ele se aproximou do ofício observando livros de arte e visitando exposições, após largar pela metade uma graduação em arquitetura. Deste curso, diz ter herdado a compreensão do espaço e o interesse pela geometria, ambos elementos presentes em todo o seu trabalho.

Segundo o curador, a obra do artista também introjeta a produção da geração anterior à sua —Waltercio Caldas, Tunga e José Resende— e de seus contemporâneos —Ernesto Neto, Fernanda Gomes e Rivane Neuenschwander—, além do pensamento dos críticos de arte Sonia Salzstein e Ronaldo Brito.

Segundo o curador, a produção de Damasceno, embora estática, traz um sentido de movimento, como se as peças realizassem uma atividade interna constante. “De algum jeito a lã que escorre sobre a mesa não para de escorrer sobre a mesa, e os martelos continuam percorrendo a parede continuamente.”

José Damasceno: Moto-contínuo

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