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Rimbaud levou a poesia para o inferno e ela não voltou de lá nunca mais

Tradução do português Mário Cesariny torna os poemas do francês ainda mais vivos em novas edições

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Iluminações / Uma Cerveja no Inferno

  • Preço R$ 60 (208 págs.)
  • Autoria Jean-Arthur Rimbaud
  • Editora Chão da Feira
  • Tradução Mário Cesariny

Na segunda metade do século 19, o jovem Arthur Rimbaud levou a poesia para o inferno. Ele voltou de lá, mas ela, não. Tal viagem sem volta a tornou uma espécie de arte infernal. E esse sentido de “infernal” só é possível se o poema pensar a si mesmo como uma religião sem transcendência ou laica, aposta feita na materialidade das palavras.

Depois de escrever os livros “Iluminações” e “Uma Cerveja no Inferno”, Rimbaud, então com 20 anos, se calou e foi fazer outras coisas na vida que não escrever literatura, mas seus poemas nunca mais se calaram. Eles tiveram participação ativa no século 20, servindo de combustível para muita gente, desde os surrealistas até a Patti Smith dos anos 1970.

O inferno da poesia moderna, segundo Rimbaud, retira para sempre o verso como traço distintivo, trazendo para o poema o registro em prosa, o fragmento e o atrito das imagens, tudo isso junto de uma perturbadora capacidade autorreflexiva.

“Há que ser absolutamente moderno”, diz o famoso trecho final de “Uma Cerveja no Inferno”. E, para que assim seja, o poeta reúne “canções populares”, “reminiscência de hinos”, “as mulheres dos antigos pintores” e muito mais, levando tudo para o palco do livro onde todas essas coisas explodem.

rimbaud cruza os braços perto de árvore
Autorretrato de Rimbaud na África em 1883 - Divulgação

“Eis o tempo dos assassinos”, escreve ele nas “Iluminações”, ao qual se segue, páginas depois, uma exclamação que não deixa de ser um retrato da própria obra —“o canto claro dos novos desastres!”.

O anúncio dessa “nova harmonia” que já nasce fraturada faz desses livros de Rimbaud clássicos da modernidade cultural. Vale lembrar que a obra e a vida do precoce poeta francês têm servido, ao longo dos anos, para pautar e mobilizar formas de rebeldia jovem e seus desdobramentos estéticos e políticos.

Por falar em rebeldia, cabe apresentar o autor da tradução agora publicada no Brasil –Mário Cesariny, morto em 2006, um dos maiores nomes da poesia portuguesa do século 20, foi um dos fundadores do grupo surrealista português no fim dos anos 1940, tendo mantido até o fim da vida um espírito mordaz e iconoclasta no cenário da bem-comportada vida literária portuguesa.

E a insubordinação de Cesariny aparece em cada traço do seu trabalho, inclusive na sua tradução de Rimbaud. Ao leitor e à leitora que conhecem a obra do poeta francês, é provável que soe estranho o título “Uma Cerveja no Inferno”. Em francês, o título é “Une Saison en Enfer”, e a palavra “saison” costuma ser traduzida, em edições brasileiras do livro, como “temporada” ou “estada”.

A versão de Cesariny foi publicada em Portugal pela primeira vez em 1960, mas só na segunda edição, em 1972, a palavra “cerveja” passou a figurar no título. Nas notas, Cesariny diz que “saison” é um estilo de cerveja típica do norte da França, onde fica Charleville, cidade em que Rimbaud nasceu e viveu sua infância.

Portanto, o título do livro em francês jogaria propositalmente com a ambivalência da palavra, significando tanto a duração de tempo quanto a bebida típica.

Ao se levar em conta que o mais famoso poema de Rimbaud se chama “O Barco Bêbado” e que uma das máximas do autor é a da poesia como “desregramento de todos os sentidos”, não soa estranho tal título em português. Pelo contrário, “Uma Cerveja no Inferno” torna ainda mais concreta e intensa tal estadia.

Esse é apenas um dos muitos deslocamentos críticos que Cesariny realiza e que tornam ainda mais viva a poesia de Rimbaud em nossa língua. Para uma leitura mais interessada nesses gestos do tradutor, além das notas, a edição traz o texto em francês lado a lado da versão em português.

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