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Filmes mostra de cinema

'Stardust', filme sobre David Bowie, é primo pobre de 'Rocketman'

Sem direitos autorais para tocar canções do músico, longa o retrata em uma viagem para os Estados Unidos em 1971

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Stardust

O britânico David Bowie, morto há cinco anos, ficou conhecido por diversos predicados. Além de sua musicalidade eclética e facilidade de compor grandes hits, tinha uma capacidade camaleônica de autorreinvenção e uma elegância meio extraterrestre que o transformou num ícone da moda.

Também foi um ator competente e deixou uma obra cinematográfica respeitável, com títulos como "Fome de Viver", de 1983, "Labirinto", de 1986, "A Última Tentação de Cristo", de 1988, "Twin Peaks: Os Últimos Dias de Laura Palmer", de 1992, "Basquiat", de 1996, "O Grande Truque", de 2006, além de participações em séries tão díspares quanto "Extras", de Ricky Gervais, e "Bob Esponja". Sem falar em seus muitos videoclipes, sempre bem produzidos.

Merecia uma cinebiografia à altura, talvez pelo caminho nada convencional, como a que Bob Dylan ganhou em vida do diretor americano Todd Haynes, em 2007, "Não Estou Lá", em que diversos artistas representavam o músico em várias fases da vida.

Johnny Flynn em cena do filme 'Stardust', de 2020, nova biografia de David Bowie
Johnny Flynn em cena do filme 'Stardust', de 2020, nova biografia de David Bowie - Divulgação

Mas poderia também ser pela via mais tradicional, as autorizadas pelo artista ou pelos seus parceiros, como "Bohemian Rhapsody", de 2018, que rendeu o Oscar ao protagonista, o ator Rami Malek, e "Rocketman", de 2019, em que Elton John, o próprio biografado, foi premiado pela única música inédita do longa-metragem, "I'm Gonna Love Me Again".

Em vez disso, Bowie ganha em "Stardust" um filme menor, que dramatiza uma viagem feita por ele em 1971 aos Estados Unidos que deveria ter sido a turnê de apresentação e consagração de um artista pouco conhecido, mas não foi. Bowie chegou sem visto de trabalho, foi proibido de fazer shows e nada aconteceu.

Ou seja, é um retrato de um jovem mal humorado e frustrado, rodando o país de carro com o único ser humano que parece confiar no potencial dele, Ron Oberman, divulgador da gravadora Mercury que o hospeda na casa em que mora com os pais. Oberman consegue algumas entrevistas para Bowie e umas apresentações de quinta categoria em lugares como uma convenção para vendedores de aspiradores de pó.

E aí a bomba final. Nem nessas apresentações, nem nas muitas cenas que se passam com a dupla viajando de carro pelos Estados Unidos toca um acorde de uma mísera música dele, provavelmente por falta de dinheiro para pagar os direitos autorias. É quase uma tortura para um fã. E quem não é fã não vai virar depois de ver esse filme.

O ator principal, o britânico Johnny Flynn, tem até alguma semelhança com o jovem David Bowie, na fase cabelo comprido, bem mais hippie que suas personas futuras. E, como também é músico, toca violão e canta de verdade os covers de outros artistas menos relevantes que o personagem apresenta quando tem oportunidade.

Flynn tem aquele sorriso meio tímido, meio sacana de Bowie, e o mesmo corpo esbelto que favorece qualquer figurino. Pena que no período em que é retratado ainda não ousasse muito nesse setor. A maior extravagância é um sapato feminino bege de salto agulha, com que aliás desce do avião e enfrenta a alfândega.

Num momento da trama, o protagonista pergunta a diferença entre "uma estrela do rock ou alguém se fazendo passar por uma estrela do rock". Esse é o ponto central do roteiro, o conflito maior do personagem, louco para virar um astro real da música, mas sem recursos para isso.

Mas nem isso é verdade. Em 1971, Bowie já tinha lançado o álbum "Space Oddity", inspirado no filme "2001: Uma Odisseia No Espaço", de Stanley Kubrick, que fez dele um nome conhecido e respeitado no Reino Unido.

Claro que até conquistar o mercado americano nenhuma estrela do rock britânico brilha assim tão ofuscantemente, mas em 1971 Bowie já não era o músico desenxabido que aparece aqui. Ele ainda não tinha criado Ziggy Stardust, o roqueiro alienígena que o lançou à estratosfera, mas as ideias bem pouco convencionais a respeito da vida e da obra certamente já germinavam em sua cabeça.

O problema de Bowie, como o roteiro apresenta, é justamente o medo de enlouquecer. Seu irmão mais velho, Terry, interpretado por Derek Moran, sofreu um ataque psicótico alguns anos antes e tinha um diagnóstico de esquizofrenia. Bowie teme que a loucura esteja cravada em seu destino, ao mesmo tempo em que a proximidade com o tema se transforma em sua maior fonte de inspiração.

Quando, no finalzinho, ele se prepara para entrar num palco em Londres para a primeira performance como Ziggy Stardust, com uma peruquinha triste, parece, finalmente, que o jovem birrento que viajou pelos Estados Unidos conseguiu se libertar dos temores que tinha e abraçou a loucura inerente da vida de uma estrela do rock que se preze.

Agora é torcer para que surja uma cinebiografia decente com tudo que aconteceu depois disso na vida e na obra de David Bowie, que marcou a história da cultura pop para sempre.

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