Autora de 'Mentes Ansiosas' é condenada a pagar R$ 20 mil por plágio após 9 anos

Livros da psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva já tiveram suas vendas suspensas devido a acusações semelhantes

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São Paulo

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo condenou a psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva e a editora Objetiva por plágio, num caso envolvendo o best-seller "Mentes Ansiosas - O Medo e a Ansiedade Nossos de Cada Dia”. O acórdão foi publicado nesta semana, no Diário Oficial.

A decisão vem após uma ação impetrada em 2012 pelo psquiatra Tito Paes de Barros Neto, que afirma que Silva plagiou o seu livro "Sem Medo de Ter Medo", publicado em 2000. A médica, no entanto, nega a acusação.

O livro que Neto acusou de plágio se chamava a princípio “Mentes Ansiosas - Medo e Ansiedade Além dos Limites", publicado por Silva, com o selo da Objetiva, em 2011. Mas recebeu o nome atual em sua segunda edição, lançada em 2017 pela editora Principium, após ter a sua venda suspensa em 2012 por uma decisão liminar do juiz Fernando Bonfietti Izidoro.

"A análise das duas obras revela semelhanças notórias, sendo que ambas apresentam diversos excertos longos com praticamente o mesmo conteúdo, simplesmente com alterações no estilo da escrita", afirmou o juiz, na época.

Silva, que já foi acusada de plágio outras vezes, é uma famosa psiquiatra, que vendeu mais de 1 milhão de livros, prestou consultoria à roteirista Gloria Perez em novelas como "Caminho das Índias" e "A Força do Querer" e ao programa Mais Você, da TV Globo. É ainda autora da cartilha antibullying do Conselho Nacional de Justiça .

Agora, nove anos após o surgimento do processo de Barros Neto contra a médica, o juiz Christopher Alexander Roisin determinou que ela e a editora Objetiva devem pagar uma indenização no valor de R$ 20 mil ao autor de "Sem Medo de Ter Medo" por danos morais e materiais.

O advogado de Tito Paes de Barros Neto, José de Araujo Novaes Neto, do escritório Novaes e Roselli, afirma que irá recorrer da decisão para que o seu cliente consiga também ser indenizado por um valor maior. Além disso, uma perícia, diz, fará o cálculo da indenização a ser paga a seu cliente por danos materiais, cujo cálculo deverá levar em conta os lucros que Silva e a editora tiveram com as vendas do livro “Mentes Ansiosas - O Medo e a Ansiedade Nossos de Cada Dia”.

Sydney Sanches, advogado da psiquiatra, afirma que recorrerá da decisão e que houve equívoco por parte do magistrado, que teria acompanhado apenas o relatório do perito em relação aos trechos semelhantes. "O perito não está ali para julgar, mas para ajudar na formação de uma prova técnica", diz.

"Foram apontados 28 trechos [semelhantes aos da obra de Barros Neto] na primeira edição. O que temos discutido desde o início do processo é que são todas passagens comuns a toda literatura médica", defende Sanches. O advogado diz ainda que não foram levadas em conta as alterações publicadas na segunda edição de “Mentes Ansiosas".

Já Barros Neto afirma que seu primeiro contato com "Mentes Ansiosas - O Medo e a Ansiedade Nossos de Cada Dia” ocorreu em 2012, quando uma amiga avisou a ele que tinha lido um livro igual ao dele.

"Eu fiquei completamente indignado com o que vi, era uma cópia", diz o psiquiatra. "Logo na abertura do meu livro, por exemplo, eu conto uma experiência pessoal, que ela descreve [em seu livro] como se fosse dela."

O autor de "Sem Medo de Ter Medo" diz que se sente indignado, sobretudo pelo fato de Silva não ter sido afetada na carreira.

Sanches, o advogado da autora, afirma que os livros escritos por Silva são todos relacionados à psiquiatria e ao comportamento, e que é natural que, ao tratar de assuntos técnicos da área, situações se repitam. "Quando se explicam determinados conceitos, há casos clássicos sobre o tema. Além disso, [a obra de] Tito está citada na bibliografia do livro em que foi reclamado o plágio", diz.

A psiquiatra Ana Carolina Barcelos Cavalcante Vieira também já acusou Silva de plágio, mas, ao contrário de Barros Neto, não teve vitória em sua ação.

Em entrevista em 2013, Vieira afirmou que, lendo o livro "Corações Descontrolados" —publicado por Silva pelo selo Fontanar, em 2012— constatou, "estupefata", que um capítulo que havia escrito a pedido da própria Ana Beatriz Barbosa Silva fora editado "sem qualquer crédito".

Ela também diz que a psiquiatra reproduziu, em "várias e várias passagens", trechos de outros textos de sua autoria, inclusive um que escreveu e publicou no site da clínica Medicina do Comportamento.

José de Araujo Novaes Neto, que também foi advogado de Vieira, diz que a sentença daquele caso —dada em novembro de 2015 e que teve recurso julgado em 2019— entendeu que a relação profissional entre Silva e a sua cliente era de prestação de serviços e que ela teria atuado como colaboradora e pesquisadora da obra. Ao assinar o contrato de trabalho, Vieira teria dado, então, uma autorização implícita para o uso de seus textos.

Avisados da queixa de Vieira, em novembro de 2012, Silva e a Objetiva tomaram providências rápidas –substituíram os trechos contestados e providenciaram uma segunda tiragem de "Corações Descontrolados". Até o momento desta publicação, nem Silva nem a assessoria da editora Objetiva responderam ao contato da reportagem.

TRECHOS

Abaixo, compare passagens dos livros de Ana Beatriz Barbosa e Tito Paes de Barros Neto:

"SEM MEDO DE TER MEDO", de Tito Paes de Barros Neto
Páginas 11-12

"Era o verão de 1992 e ainda me lembro bem da ocasião. Sentado à mesa de um café estávamos eu, meu irmão, minha cunhada e mais alguns amigos. A Noite estava agradável (...)

Eu não seria capaz de descrever exatamente como tudo começou (...)

Uma mulher entrou no café dirigindo-se à mesa ao lado da nossa. Minha cunhada, que estava de mãos dadas com meu irmão, arregalou os olhos (...). Meu irmão, que já sabia do pavor que ela tinha de pequenos animais, e alito com a situação, perguntava insistentemente: ªOnde está? Fala. Mostra pra mim. Onde está o bicho?º; Petrificada, minha cunhada não conseguia balbuciar sequer uma palavra; ou mesmo apontar. Essa mulher, ao entrar no café, sem se dar conta, tinha por companhia uma barata, bem próxima ao seu ombro direito (...). Foi nesse exato momento que a barata resolveu, por assim dizer, fazer uma baldeação, enroscando-se nos cabelos da outra.

(...) Foi uma gritaria só, com ela se debatendo e frisando freneticamente os cabelos para tentar se livrar do inseto (...). Boa barte das pessoas foi parar na escada (...) esmaguei-a com o pé. Como recompensa recebi uma salva de palmas (...)

Quando me recordo dessa história, não consigo deixar de achá-la engraçada. Por outro lado, posso imaginar o quão aflitivo foi o episódio para minha cunhada (...). O que mais me intrigou, entretanto, foi a intensidade da reação de algumas pessoas, o pavor que as assolou (...).

Todos nós sabemos que baratas são insetos repugnantes, mas que não põem em risco a vida de ninguém (...)."

"MENTES ANSIOSAS", de Ana Beatriz Barbosa Silva
Páginas 13-14-15

"Era junho de 1999 e ainda me lembro da situação (...) Sentados à mesa de um agradável café em Ipanema, estávamos eu, meu marido, minha cunhada e um casal de amigos muito queridoº.

O final de tarde estava extremamente agradável (...)

Até hoje não sou capaz de descrever exatamente como tudo começou (...)

(...) o garçom se aproximou da mesa ao nosso lado e minha amiga Lena, que estava de mãos dadas com o marido João, arregalou os olhos, subiu na própria cadeira e, petrificada, pálida e com as mãos trêmulas, tentava sufocar o grito (...)

João, que tinha vasto conhecimento do pavor que sua mulher tinha por insetos, e totalmente aflito com a situação, perguntava insistentemente: ªCadê? Onde ela está? Não estou vendo, me mostre...º Totalemente paralisada, Lena não conseguia juntar ªa com bº (...)

O garçom nem se dera conta de estar carregando, em seu ombro esquerdo, uma barata (...)

(...) o inseto resolveu fazer um voo social pelo ambiente, indo parar no cabelo de uma pobre senhora (...)

(...) gritava, debatia-se e alvoroçava os cabelos de forma frenética, tentando se livrar daquele bicho (...).

A gritaria se generalizou, cadeiras caíram (...)

A maioria das pessoas foi parar na calçada (...) De súbito, uma pisada certeira (...) novamente, e João recebeu uma salva de palmas, (...)

É claro que, ao recordar desta história me pego dando boas e gostosas risadas. Por outro lado, fico perplexa e bastante intrigada com o tamanho e a intensidade da reação que algumas pessoas tiveram naquele dia. Não era um simples medo ou nojo daquele inseto: era pavor, terror mesmo(...)

Reconheço que as baratas são verdadeiras pragas, insetos asquerosos e repugnantes (...) são incapazes de nos devorar feito feras famintas."

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