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Coletânea reafirma insurgência e autonomia do movimento zapatista

'Uma Baleia na Montanha' reúne textos que giram em torno do levante armado que indígenas fizeram contra o México

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Marilene Felinto

Escritora, é autora de "As Mulheres de Tijucopapo" e mantém o site marilenefelinto.com.br

Escrever sobre o movimento zapatista na linguagem deste sistema daqui, desta sociedade, desta mídia, é correr o risco de cair no nonsense, sem conseguir descrever aquela comunidade única, das terras altas do estado de Chiapas, no sul do México.

Os próprios zapatistas afirmam: "nós falamos para outro tempo. Nossa palavra se entenderá em outros calendários e geografias".

O que ocorre na estrutura dessa "linguagem gestada em meio a uma das insurreições mais originais do planeta", é mesmo uma "torção narrativa", como dizem Mariana Lacerda e Peter Pál Pelbart, organizadores deste "Uma Baleia na Montanha".

Exemplo desta "torção": zapatistas começam uma estória não com "Era uma vez", mas sim com "Será uma vez".

Futuro e história. A insurreição de indígenas de ascendência e herança maia emergiu em 1994 –um levante armado contra o Estado mexicano e pelo reconhecimento constitucional dos direitos e da cultura indígenas. E segue sendo não apenas resistência ao "mau governo" agressor neoliberal como também sistema político independente e possível.

Organizados desde o início sob o comando do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), os zapatistas dão menos peso ao indivíduo (com seus rostos sempre cobertos por lenços ou balaclavas ou, hoje, máscaras) do que à comunidade, ainda que seu nome mais conhecido seja o de um de seus membros, o subcomandante insurgente Galeano, antes Marcos.

Esta coletânea reúne 16 textos que giram em torno do zapatismo. Em 2019, Mariana foi convidada pelos zapatistas para exibir seu documentário "Gyuri" na segunda edição do Festival de Cinema do Território Autônomo de Chiapas. O filme trata do encontro da fotógrafa húngara Claudia Andujar com os yanomami, na Amazônia.

A presença no festival foi a oportunidade que ela e Peter (que participa de "Gyuri" entrevistando Andujar) tiveram de conhecer um "caracol" (ou "Junta de Bom Governo"), nome que os zapatistas dão a um espaço que é misto de centro social, cultural, educativo e político.

Da visita, resultaram dois relatos sobre o interessante cotidiano zapatista hoje: "O Cinema Faz Comunidade" (de Peter) e "No Morirá la Flor de la Palabra" (de Mariana).

Além da esclarecedora entrevista de ambos com dois nomes bastante envolvidos com o zapatismo: Rocío Noemi Martha Martinez Gonzalez "Ts'ujul" e Jérôme Baschet.

O título da coletânea faz referência ao próprio título do festival, "Uma Baleia nas Montanhas do Sudoeste Mexicano", e sua "sala de cinema gigante" no alto da montanha.

Constam do livro também textos fundamentais de lideranças zapatistas: três deles do subcomandante insurgente Galeano, e um de quando ele ainda era Marcos; um texto do subcomandante insurgente Moisés, um da subcomandata Yesica, outros de autoria coletiva das Mulheres Zapatistas e dois do EZLN.

A esta seleção inusitada, somam-se os "Textos Mexicanos", do dramaturgo francês Antonin Artaud, bem como "O que Artaud Veio Fazer no Mexico?", do pesquisador mexicano Enrique Flores.

"Todos os textos dos zapatistas estão disponíveis no site deles, EnlaceZapatista", diz Pelbart. "Podem ser copiados e reproduzidos, porque é tudo liberado. Mas não tenho notícia de que eles tenham saído no Brasil. E nessa combinação, muito menos, pois foi nossa seleção".

Ele diz que a editora dos zapatistas funciona sob outra lógica, "a da circulação de conhecimento e de palavras", e que a editora N-1 vai destinar os direitos de autor do "Baleia" e do Galeano para o movimento.
Também sobre o zapatismo, a N-1 está lançando outros títulos: "Contra a Hidra Capitalista", do subcomandante Galeano, e "A Experiência Zapatista: Rebeldia, Resistência e Autonomia", de Jérôme Baschet.

Publicações importantes, inspiradoras, porque vêm reafirmar que "a alma maia zapatista não foi conquistada --ela ressurge em pleno século 21 na sua insurreta autonomia, em favor de uma vasta, planetária aliança de insurgências".

Erramos: o texto foi alterado

Enrique Flores não é jornalista, mas pesquisador. O texto foi alterado.

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