Descrição de chapéu Financial Times

Criador do 'Fantasma da Ópera' diz estar preparado para encarar até a prisão

Compositor Andrew Lloyd Webber insiste em que o show deve continuar, ainda que contrariando as restrições da Covid

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Jan Dalley
Londres | Financial Times

“Não importa o que aconteça”, ele declarou. Andrew Lloyd Webber, o compositor e empresário teatral britânico que fez fama e fortuna com musicais como “Cats", “Evita” e “Starlight Express”, expressou nesta semana sua determinação de abrir seus teatros no West End com lotação completa, este mês –e não importam as restrições governamentais que possam estar em vigor por causa da Covid-19.

Apresentações de pré-estreia de sua nova criação, “Cinderella”, devem começar em 25 de junho, apenas dias depois do relaxamento das restrições associadas à Covid, em 21 de junho. A data agora parece estar em questão por causa da alta no número de contágios, mas Lloyd Webber disse que estava preparado para encarar uma sentença de prisão por desafiar qualquer novo adiamento.

Ainda que tenha sido apontado para a Câmara dos Lordes pelo Partido Conservador, ele diz que não hesitará em lançar uma batalha judicial contra o governo se a reabertura for adiada de novo, afirmando a um entrevistador que tem “a mãe de todos os casos judiciais”.

Lloyd Webber, de 73 anos, talvez seja o mais premiado compositor vivo. O The New York Times o descreveu em 2001 como “o compositor de maior sucesso comercial na história”, com múltiplos prêmios por seus musicais e sucesso em todo o mundo. Ele é uma das apenas 16 pessoas a conquistar o quarteto completo de prêmios Oscar, Emmy, Tony e Grammy. Suas produções –todas realizadas pelo Really Useful Group, que Lloyd Webber fundou em 1977– ostentam uma série de recordes. “Starlight Express”, de 1984, passou mais de 17 anos em cartaz em Londres; “O Fantasma da Ópera” teve a mais longa temporada de um musical na Broadway.

Lloyd Webber planejava para agosto de 2020 a estreia de “Cinderella” no Gillian Lynne Theatre (antes o New London Theatre, que foi rebatizado para homenagear a coreógrafa de “Cats”, morta em 2018). Como proprietário de sete teatros, durante a pandemia ele foi um oponente declarado das regras que forçaram o fechamento de salas de espetáculos por longos períodos. Agora as salas estão autorizadas a operar, mas com lotação reduzida, e Lloyd Webber argumenta que produções de grande escala, como seus musicais, são insustentáveis sem teatros com lotação plena.

Os defensores da reabertura apontam para a importância econômica do setor teatral britânico, que arrecadou mais de £ 1,28 bilhão com vendas de ingressos a mais de 34 milhões de espectadores, em 2018. Também destacam as dificuldades que a vasta força de trabalho do setor está enfrentando. Os trabalhadores do teatro são em sua maioria profissionais autônomos e, portanto, ficam especialmente vulneráveis ao fechamento das salas de espetáculos.

Observadores informados temem uma fuga de talentos e dificuldades pessoais para muitos dos trabalhadores do setor. Lloyd Webber, que apelou por subsídios adicionais, apontou para incoerências nas regras, que permitem que pessoas fiquem a bordo de aviões por muitas horas mas não que passem duas horas em uma sala de teatro.

Ele também destaca as medidas de segurança nos teatros. Em setembro de 2020, disse em uma audiência governamental que estava “absolutamente confiante em que o ar do London Palladium e de todos os meus teatros é mais puro do que o ar do lado de fora”.

Cerca de £ 6 milhões foram investidos em “Cinderella”, e sua equipe de 34 atores, dançarinos, músicos e outros profissionais gera custos imensos. Os prejuízos em que Lloyd Webber incorreu por manter seus teatros fechados durante os lockdowns chegam a cerca de £ 1 milhão por mês, e ele deu a entender que novos adiamentos o forçarão a vender ou fechar permanentemente os espaços.

De acordo com a lista de fortunas britânicas do jornal The Sunday Times, o patrimônio pessoal de Lloyd Webber caiu em £ 275 milhões em um ano e agora é de £ 525 milhões, ainda que outras fontes estimem sua fortuna como muito maior.

Ao longo de sua carreira, Lloyd Webber enfrentou controvérsias, entre as quais acusações de plágio vindas de fontes tão díspares quanto o espólio de Giacomo Puccini e o grupo Pink Floyd. Mas sua originalidade raramente é questionada em termos mais amplos. Don Black, que foi um dos letristas de “Aspects of Love”, que Lloyd Webber produziu em 1989, afirmou que “Andrew reinventou o musical, mais ou menos sozinho”.

O compositor britânico Andrew Lloyd Webber posa para fotos em frente ao seu piano, em Londres - Russell Boyce/Reuters

Nascido em 1948 em uma família musical –sua mãe era violinista e pianista, seu pai compositor, e seu irmão é o celebre violoncelista Julian Lloyd Webber–, o talento dele se manifestou cedo. O sucesso profissional surgiu com “Joseph and the Amazing Technicolour Dreamcoat”, em 1968, quando ele ainda não tinha chegado aos 21 anos. “Cinderella” será o 17º musical que ele produz integralmente.

Muitos de seus primeiros sucessos vieram em parceria com o letrista Tim Rice, mas ele trabalhou com diversos outros escritores. Para “Cinderella”, ele selecionou a multitalentosa Emerald Fennell, roteirista da série “Killing Eve”, da BBC, que conquistou um Oscar por melhor roteiro original neste ano pela comédia “Bela Vingança”, que ela também dirigiu.

Lloyd Webber é um colecionador de arte entusiástico, com predileção por pintores pré-rafaelitas e vitorianos como Dante Gabriel Rossetti, Edward Burne-Jones e outros. Sua coleção –grande o bastante ocupar todas as salas principais da Royal Academy de Londres, quando foi exposta lá em 2003– ajudou a restaurar a reputação (e elevar os preços) desse gênero até então fora de moda. Um especialista, Christopher Wood, escreveu, sobre a paixão de Lloyd Webber pela arte, que “é costume dizer, sobre Andrew, que ele só escreve musicais para poder colecionar quadros, colecionar é sua verdadeira obsessão”.

Outros interesses incluem trabalho substancial de caridade para a Andrew Lloyd Webber Foundation, que ele mesmo criou, e para outras organizações educacionais e culturais. Ele foi sagrado cavaleiro em 1992 e em 1997 se tornou par vitalício do reino, como barão Lloyd Webber de Sydmonton, ainda que tenha se aposentado da Câmara dos Lordes em 2017.

Os próximos sete dias, ou pouco mais, podem determinar se sua Cinderela irá ou não ao baile –e se o seu distinto criador se verá apanhado do lado errado da lei.

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci

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