Na mente de um serial killer: entenda como agiu o homem que matava gays em Curitiba

José Soroka marcava encontros pelo Grindr, estrangulava os rapazes e roubava suas casas; polícia investiga os motivos

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Dois homens nus se enfrentam

Obra do artista Nino Cais em fotografia produzida no estúdio do artista em São Paulo Karime Xavier/Folhapress

Curitiba

Enquanto sepultava o filho no Cemitério Jardins das Palmeiras, em Campo Grande, Rosilene Bozzana, de 49 anos, fez o que poucas mães teriam oportunidade de fazer e decidiu mandar uma mensagem de voz para o assassino do primogênito. "Você pode abrir um buraco na terra e enfiar a cabeça dentro, mas vamos achar você. E você vai ter toda a dor que fez meu filho passar.”

Os dois pontos do aplicativo de mensagens ficaram azuis, indicando que alguém escutou o desabafo. Mas ela não tinha —e ainda não tem— a certeza se do outro lado era José Tiago Correia Soroka, de 33 anos, o homem que, além do celular, diz ter trocado a vida do estudante de medicina Marcos Vinício Bozzana, de 25 anos, por um notebook, uma mochila, uma caixinha de som e um PlayStation 3 roubados de seu apartamento em Curitiba.

Homem branco tatuado posa em selfie, enquanto está na praia
José Tiago Correia Soroka, que matou homens gays, em Curitiba (PR) - Reprodução

Tanto ela quanto a capital paranaense logo saberiam, porém, que não se tratava de um latrocínio corriqueiro, como sugeria o primeiro cartaz virtual com o retrato de Soroka que passou a circular nas redes sociais e nos grupos de motoristas de aplicativos dez dias depois daquele 5 de maio em que o corpo foi encontrado com sinais de estrangulamento.

Nas horas em que a equipe do delegado Thiago da Nóbrega, da Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa, periciou o 14º andar do prédio numa zona de classe média da cidade, estava claro que havia método na forma com a qual as mãos de Marcos foram amarradas para trás de seu corpo, encontrado sem camisa e de bruços na cama, e a cabeça fora coberta por um travesseiro. Eles já haviam visto aquela cena.

Não poderia se tratar de um crime aleatório porque, cinco dias antes, o corpo de um outro profissional de saúde, o enfermeiro David Júnior Alves Levisio, de 30 anos, foi achado nas mesmas circunstâncias a dois quilômetros do prédio de Marcos.

Também não parecia possível que aqueles supostos roubos seguidos de morte não tivessem nada a ver com o assassinato do professor universitário Robson Paim, de 36 anos, encontrado no dia 17 de abril de bruços na cama, mas, diferente dos outros dois, totalmente despido, em sua casa em Abelardo Luz, no oeste catarinense.

O que os unia não eram só os detalhes visíveis das cenas, mas o fato de que todos eram homossexuais, solteiros e conheceram seu assassino por meio de aplicativos de encontros e chats. O ponto cego entre os casos é a prova de que a morte deles não foi um desfecho trágico das supostas reações exacerbadas das vítimas aos roubos –como disse Soroka a este jornal depois de sua prisão, no dia 29 de maio, quando confessou os crimes.

Aos olhos das famílias, da polícia e da Aliança Nacional LGBT, que acompanha o caso e auxiliou nos alertas à comunidade gay desde o início, a motivação está num tipo de fobia ruminada em silêncio por parte da sociedade e que tornou o Brasil um dos líderes em mortes de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais no mundo.

Rosilene Bozzana não esperou muito até ver concretizado o desejo de encontrar o assassino do filho. No decorrer do mês de maio, as polícias do Paraná e de Santa Catarina cruzaram imagens de câmeras de segurança próximas aos locais dos crimes para chegar ao nome de Soroka.

Seu rosto foi identificado pela análise dos vídeos e as fotografias dos registros de uma extensa ficha criminal que incluía roubos de carros, agressões físicas e uso de notas falsas. A tatuagem tribal no lado direito dos ombros, os olhos repuxados —era conhecido como “Japa” por pessoas com quem a polícia teve contato—, a boca grossa e as orelhas eram os traços restantes de um corpo que, nas fotos enviadas às vítimas, era esculpido pela musculação.

Quando foi preso, na zona periférica de Capão Raso, a cerca de 20 minutos de carro do centro de Curitiba, o dono da pensão onde ele se escondeu não reconhecia na imagem do homem que circulava pelas reportagens o hóspede magro, mirrado, que dormia.

Neste junho em que se comemora o Mês do Orgulho LGBT, a Polícia Civil conta com a iniciativa de possíveis sobreviventes para colher relatos de pelo menos parte das cinco, dez ou 20 pessoas, “por aí”, que, em depoimento, Soroka disse ter agredido. Oito pessoas procuraram a polícia, mas, por enquanto, só três casos batem com seu modus operandi e estão sendo investigados.

Equação do medo

Para entender como Soroka escolheria suas vítimas, as abordaria em conversas privadas e, por fim, tiraria suas vidas, é preciso compreender que ele diz ver nelas fragilidades quanto à exposição pública da sexualidade, e disse saber que, por serem homens gays, “a chance de procurarem a polícia seria bem menor”.

O medo que ele acredita ter despertado em suas vítimas e, por causa dele, poderia sair ileso das ocorrências, se espalhou pelo dia a dia dos homossexuais curitibanos que, em meio à pandemia de Covid-19 e ao fechamento do comércio local, tinham só as redes sociais como meio para marcar encontros.

“Por alguns dias, entre a divulgação da foto dele e a prisão, houve uma espécie de abstinência sexual. As pessoas tinham receio de quem estava do outro lado da conversa nos aplicativos”, lembra o coordenador jurídico da Aliança Nacional LGBT+, Marcel Jeronymo, que acompanha os desdobramentos desde a primeira semana de maio.

Até a segunda quinzena daquele mês, a polícia tratava os casos em sigilo e não divulgou fotos por receio de que, acuado, o investigado fugisse. O Grupo Dignidade, braço da Aliança em Curitiba que Jeronymo assessora, logo disparou nas redes dicas de proteção, como informar aos amigos sobre o encontro e descer para receber a pessoa.

Foi nesse contexto que, em tese, ele ganhou a permissão de entrar na casa das pessoas, matar, roubar e sair de cena dando "alô" aos porteiros, indo embora ou em táxis ou em carros de aplicativo, chamados de diferentes celulares e sem levantar suspeita.

De acordo com testemunhas e do próprio depoimento à polícia, o contato podia ser feito no mesmo dia do crime. Em duas horas seria capaz de saber a condição econômica da vítima, se estaria sozinha, se sua família não era da cidade, o que ela esperaria ver quando o encontrasse e o que poderia furtar quando a estrangulasse.

Soroka diz que assumia diferentes nomes e que vendia sua imagem nas redes a partir das preferências sexuais dos garotos com quem conversava. Afirmou que, nos casos de Curitiba, quando entrava nos apartamentos, pedia que as vítimas virassem de costas e baixassem as calças. Isso dificultaria o poder de reação, já que as pernas estariam presas à roupa, e, por consequência, daria a ideia de que iniciaria ali um ato sexual.

Em vez disso, dava um mata-leão, golpe que afirma ter aprendido em sua passagem pelo Exército. Com um braço imobilizava os braços da vítima e, com o outro, agarrava seu pescoço até que ela apagasse. Se não reagisse à investida, segundo relatou, a vítima sairia ilesa.

“Expliquei que não queria fazer mal para eles e não queria o mal para mim. Eles tentaram reagir, me bater, xingar, falaram que iam chamar a polícia, e eu acabei apertando um pouco mais o pescoço e não voltaram”, contou.

A polícia crê, porém, que não foi bem assim. A primeira vítima fatal, o professor Robson Paim, não teria reagido, de acordo com o próprio Soroka, e acabou morto. David Levisio chegou a desfalecer, mas acordou e teve o pescoço apertado ainda mais. Marcos teria lutado desde o início até o último suspiro.

“Para nós, está claro que ele tinha o prazer de ver [as vítimas sufocando]. Só não concluía quando a pessoa chamava muita atenção e poderia atrair a atenção dos vizinhos”, afirma o delegado Thiago da Nóbrega.

E foi fazendo barulho que um arquiteto, que se diz vítima de Soroka que não quis ter o nome identificado nesta reportagem, teria se desvencilhado dos braços do investigado devido a ter um porte físico, maior do que ele esperava encontrar.

Quando percebeu que estava sendo sufocado, diz que pôde se safar do golpe, e que Soroka, para não ser pego, simulou portar uma arma sob a blusa. Levou celular e notebook, saindo às pressas do prédio de luxo no bairro do Bigorrilho, com acesso limitado por uma dupla de portas de vidro na entrada.

O criminoso conseguiu escapar por pouco, diz, porque um morador entrou naquele momento e não entendeu o sinal silencioso das mãos do porteiro avisando para impedir a fuga. É que, da guarita, ele havia acabado de ser informado do crime por um vizinho, que emprestou o interfone para a vítima porque o dela havia sido cortado na hora do ataque.

O que sou

Mesmo tendo confessado os crimes pelos quais era investigado e dado detalhes das ações que o teriam feito acabar com a vida de seus alvos, Soroka sempre fica em silêncio quando é confrontado pelas nuances de sua própria sexualidade. Não se diz bissexual, tampouco homossexual. Nessas horas, menciona os relacionamentos com mulheres.

Os investigadores não se convenceram de que ele escolhia as vítimas pela orientação sexual ou pela facilidade de chegar até elas. Deveria haver algum traço reprimido que justificasse o requinte cruel de seus atos.

Por que matar, e não só roubar, era a dúvida sem resposta. Diante da frieza com que relatou os acontecimentos e da graça com que lidou com a fuga —ele riu do fato de que por pouco não foi pego numa busca na favela do Parolin—, os investigadores não entendiam como ele, hétero, conquistava aqueles jovens, conhecia os hábitos da comunidade gay e mantinha um perfil no Grindr, um aplicativo de encontros muito usado por homens homossexuais.

​ Foi a irmã de Soroka quem relatou à polícia que seu irmão, mesmo com um histórico de relacionamentos com mulheres que deram a ele seus dois filhos, hoje com nove e quatro anos, também se relacionava com homens. No decorrer da investigação, além disso, a polícia diz que descobriu suas idas a saunas gays da região, suas relações com colegas da época de quartel e, principalmente, a vida dupla que levou com um homem durante quatro anos, de 2014 a 2018.

Encontramos, por fim, o homem de 53 anos que pode ter sido a primeira vítima do matador. A partir de sua história, podemos imaginar que ele tenha servido de teste para a escalada de crimes desses últimos meses.

Nascido em Londrina, no interior paranaense, e enfermeiro, assim como a primeira vítima encontrada em Curitiba, ele conta ter conhecido o futuro namorado “numa bobeira, naqueles chats de conversa virtuais”. Soroka puxou conversa, e a gentileza, educação e beleza despertaram a curiosidade de quem estava do outro lado.

Depois do primeiro encontro, no apartamento de dois quartos decorado de forma simples, ambos passaram a se ver pelo menos uma vez por semana, “às vezes mais”. Segundo o amante, os “bons dias” ao acordar, os cafés da manhã e o carinho constante dispensado por Soroka valiam enfrentar o incômodo de que, em só seis meses de namoro, ele tivesse de dividir o rapaz com sua futura mulher.

Não incomodavam também as indiretas sobre a falta de dinheiro do então vigilante, que chegou a ter uma empresa especializada em computadores e, depois, trabalhou como chaveiro. Entre as saídas discretas para jantares, viagens curtas à praia, presentes para o filho que nascera e as corridas na moto comprada para Soroka, o amante estima ter gastado quase R$ 100 mil nos quatro anos de relação.

“Dei tudo sem ele pedir. Nunca discutimos, não havia brigas e não houve nenhuma ofensa entre nós. Não reconheci o homem que diziam ser ele na TV, com as coisas que tinha feito”, conta o enfermeiro, que ainda mantém conversas e fotos íntimas dos anos felizes que disse ter passado ao lado do amante.

No segundo ano da união secreta, conta, Soroka se sentou no sofá de frente para o enfermeiro e questionou a opinião dele sobre sua orientação sexual. “O que eu sou?”, perguntou, ouvindo como resposta o veredito, “bissexual”. Retrucou com o silêncio que era a sua marca.

Homem em selfie usa óculos de sol
José Tiago Correia Soroka, que assassinou recentemente homens gays, em Curitiba - Reprodução

Dois anos depois, em novembro de 2018, a relação chegaria ao fim de forma repentina. Uma semana antes do término, Soroka havia brigado e se separado da mulher —soubemos, depois, que ela estava amparada por uma medida protetiva concedida pela Justiça que impedia que ele, acusado de a ter agredido, chegasse perto da ex-esposa.

Numa noite, o enfermeiro conta, Soroka pediu o seu cartão de crédito emprestado, pediu ao namorado que virasse de costas e, num estalar, envolveu o pescoço dele num mata-leão. Teve seus pés amarrados, foi forçado a deitar de bruços e enquanto perguntava o tempo todo, deitado, o motivo da violência,
teve seu cartão usado para compras, desde roupas até eletrônicos.

Soroka, então, teria levado o namorado para a sala, cortado o fio do interfone e o ameaçado, mas foi embora. Ele chegou a mandar mensagens tempos depois, perguntando pelo ex, mas não obteve resposta.

A cena se repetiria nos assassinatos, com a diferença de que agora as cabeças das vítimas eram cobertas, segundo Soroka disse à polícia, porque os corpos inertes faziam ruídos, como se agonizassem. Ele nega que tenha feito sexo com elas, mas os laudos dos corpos ainda não ficaram prontos. Uma taça de vinho repousava no apartamento de Marcos, por exemplo, e poderia indicar algum tipo de substância posta no copo por seu assassino. No quarto, revirado de ponta-cabeça, os livros de faculdade permaneceram.

Um dos indícios de que Soroka pode ter feito algo a mais nos quase 40 minutos que costumava passar dentro dos prédios é a calça de moletom cinza que David vestia no dia da morte. Estava puxada para baixo, indicando manipulação. A porta estava trancada para fora, assim como as das outras vítimas. O detalhe é visto como padrão pela polícia, uma espécie de ponto final deixado por Soroka, que queria trancar esse lado de sua personalidade dentro daqueles apartamentos para que ninguém as conhecesse de perto.

A tranca é uma das características que integram um relatório feito por um psicólogo forense, revisado por outros dois, a pedido da investigação conduzida pela polícia. “Será que ele agrediria um homem hétero na mesma situação? Foi motivado por homofobia ou não?”, questiona a delegada-chefe Camila Cecconello.

De acordo com o documento, ao qual este repórter teve acesso, possivelmente, sim. Segundo o parecer técnico, Soroka apresenta um quadro de transtorno de personalidade antissocial, que até pouco tempo recebia o nome de psicopatia ou sociopatia, um distúrbio que confere ao portador algum nível de
desprezo pela vida das outras pessoas manipulação e ausência de remorso. Vale dizer, não é uma condição que o torne inimputável à lei.

Somado ao transtorno, a situação revelaria o ato de dominação como um momento “de extrema intimidade e relação corpo a corpo”, e que o simbolismo no ato de asfixiar sugere “a tentativa de sufocar, oprimir, recalcar, censurar conteúdos de natureza encoberta e inconsciente do próprio autor, a revelação de sua homossexualidade, a culpa, a vergonha a que isso remete”.

Os defensores de José Tiago Correia Soroka trabalham com a tese detalhada por ele na entrevista que concedeu a este jornal, a de que seus crimes em nada têm a ver com homofobia. Um dos advogados, Rodrigo Riquelme Macedo, disse ao repórter que está sendo preparado um laudo psiquiátrico para definir quais patologias podem acometer o cliente. “Ele varia muito de humor e muda de opinião muito rápido”, disse, no último contato por telefone em que uma segunda entrevista com o serial killer era negociada.

No entanto, segundo o assessor jurídico do Grupo Dignidade de Curitiba, Marcel Jeronymo, não faltam elementos que comprovem a motivação de Soroka. “Pessoas como Soroka são a ponta de uma sociedade doente. Ele foi testando os limites da criminalidade ao longo do tempo, com vários crimes ‘menores’, e passou a viver o discurso de uma classe política que prefere um filho bandido a um filho gay. Sua intenção não era roubar, mas eliminar seu lado LGBT”, diz Jeronymo.

De acordo com o psiquiatra Bruno Branquinho, “há várias formas de uma pessoa lidar com a sexualidade mal resolvida”. “Ela pode aceitar e lidar de forma saudável, ou, nos casos em que não consegue, pode direcionar para práticas opostas, como o suicídio ou mesmo a violência física, como parece ser o caso dele”, argumenta.

Segundo o médico, que é voluntário na Casa 1, em São Paulo, onde atende LGBTs em situação de vulnerabilidade, não seria correto, porém, dizer que todos os homofóbicos são pessoas que enfrentam problemas em lidar com o próprio desejo, “mas a homofobia é, sim, uma das formas de encarar o sentimento”.

Fora do armário

Seja de forma pensada pelo assassino ou não, suas três vítimas fatais reconhecidas pela polícia, e separadas por cerca de cinco anos cada uma, viviam a sua orientação sexual de maneira plena. Ainda que o assunto não fosse tratado abertamente com toda a família, todos mantinham círculos familiares estruturados e amizades que os acolhiam.

David Levisio, por exemplo, era o xodó da família e amigo para todas as horas de Rafael Leopoldino. Tinha o sonho de estudar medicina e havia chegado há dois anos em Curitiba para trabalhar. Sua prima, Karin Fran, e a irmã, Pablicia Levisio, estão certas de que ele foi morto pelo simples fato de ser gay. “Ele nunca foi de brigar, nunca fez mal a ninguém. Era como um anjo, um suporte para toda a família”, diz Pablicia. “Só não queremos que mais um caso seja esquecido e engavetado, diante de tantos crimes de homofobia considerados só um roubo”, afirma Fran.

Homem branco posa para foto, vestindo camiseta amarela e tem cabelos curtos, castanho-claros.
O enfermeiro David Levisio, 30, era natural do interior do Paraná e morava em Curitiba havia poucos meses - Reprodução / Facebook

Leopoldino, que também é homossexual, ajudou a criar a página no Instagram chamada O Caso David Levisio logo que o corpo foi encontrado por uma amiga de trabalho da vítima. Ela foi acionada por ele após outros colegas da UPA Afonso Pena, onde o enfermeiro atuava na na linha de frente da pandemia de Covid-19, relatarem que Levisio não aparecia no trabalho.

“É muito difícil para um homossexual ter de provar o que está na nossa frente”, desabafa o amigo, lembrando as festas e o momento feliz que o amigo vivia.

David havia acabado de ser aprovado num concurso para trabalhar em Campo Largo, na região metropolitana de Curitiba, e havia se mudado há dois meses para um apartamento novo no bairro Fanny. O condomínio de prédios baixos, protegido por grades, ladeado por casas, era uma das conquistas recentes do enfermeiro.

Ele mandava para a tia, Zuleide, as fotos dos objetos de decoração que comprava. Queria dar uma cara para o apartamento, que no feriado do Dia do Trabalho seria tomado por colchões para acomodar a família que visitaria.

Os fatos ainda não se encaixam para o pai da última vítima de Soroka, Marcos Vinício, o agente imobiliário Rui Marcos. Quando tentou contato com o filho no dia seguinte à sua morte, para tratar do dinheiro do aluguel que depositaria, não sabia de sua orientação.

“Me olho no espelho e não me vejo mais, não tenho mais alma”, diz ele. “Não sabia nada disso, para mim foi uma surpresa. Sempre disse que ele devia ter cuidado com as pessoas, se soubesse [da homossexualidade do filho] teria alertado ainda mais.”

Na terça-feira em que foi morto, Marcos Vinício passou duas horas com o melhor amigo da faculdade de medicina, Julio Lobo. A conversa, que aconteceu no restaurante a que sempre iam, tratava do futuro.

“Ele queria trabalhar em emergência, gostava da prática e menos da teoria. Marcos estava no melhor momento da vida, havia saído de uma depressão e fazia um plantão atrás do outro”, lembra o amigo. Naquele dia, andaram pela cidade, Julio em busca de um chaveiro para a namorada, e Marcos, de um filtro de barro para seu apartamento. Ele havia trocado recentemente o terceiro pelo penúltimo andar do prédio de 15 andares com azulejos vermelhos e pintura bege.

A mãe, Rosilene Bozzana, que queria mandar uma mensagem para o assassino no dia em que o filho foi sepultado, conta que planejava se mudar para Curitiba e passar a morar com o filho.

Só agradece a oportunidade de ter tido tempo de participar da intimidade de Marcos e torcer para que ele arrumasse logo um namorado. Lembra que sentia uma dor no peito uma semana antes das respostas às suas mensagens não chegarem mais, como se algo de ruim estivesse para acontecer. “A gente sempre sente né”, ela lembra.

“Só digo para as mães, amem seus filhos do jeito que são. Olhe o que aconteceu com o meu. Então, nunca deixem de amar, porque o que Deus quer é amor, e amor não se escolhe.”

Colaborou Katna Baran, de Curitiba

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