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Artes Cênicas

Ópera com 'sexting' pandêmico traz cantores em grande forma

No Festival Amazonas de Ópera, 'Três Minutos de Sol' acompanha trio que se relaciona por mensagens de texto

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Três Minutos de Sol

  • Quando 6 a 20/6
  • Onde Canais do YouTube e Facebook do Festival Amazonas de Ópera (FAO)
  • Preço Grátis
  • Elenco Lina Mendes, Vitor Mascarenhas e Sàvio Faschét
  • Direção Julianna Santos
  • Música Leonardo Martinelli

Em 2005, o Festival Amazonas de Ópera, evento que ocorre anualmente em Manaus desde 1997, apresentou integralmente um dos mais grandiosos projetos da história da ópera —o ciclo “O Anel do Nibelungo”, de Richard Wagner.

Regido por Luiz Fernando Malheiro ao longo de quatro dias, o “Anel Amazônico” durou mais de 20 horas e usou um efetivo de cerca de cem pessoas apenas para as trocas de cenários.

Em sintonia com as características e limites dos tempos atuais, a edição de 2021 do festival caminha na direção oposta, com ênfase nas belezas e angústias possíveis a uma arte contida, comprimida, reprimida.

mulher branca de cabelos pretos lisos canta sentada na varanda, cercada de plantas e iluminada pelo sol
A cantora Lina Mendes em imagem de divulgação da ópera 'Três Minutos de Sol', encenada no Festival Amazonas de Ópera de 2021 - Divulgação

Se é inviável —neste momento de pandemia— atender plenamente às demandas correntes da dramaturgia teatral, Malheiro também se afasta tanto da solução “dos quadradinhos” (as transmissões caseiras com tela dividida) quanto do amadorismo das lives.

O caminho assumido foi o do cinema, já há muito incorporado ao mundo da ópera. A parte musical foi gravada em Manaus, no Teatro Amazonas, por membros da Amazonas Filarmônica dirigida por Otávio Simões. Posteriormente, as partes vocais foram registradas pelos cantores solistas num estúdio em São Paulo.

A partir desse material, já editado, mixado e masterizado, foram feitas as filmagens dirigidas por Julianna Santos. A transmissão —com acesso gratuito— se dá pelos canais do Festival Amazonas de Ópera e da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado do Amazonas, no YouTube.

Três óperas foram encomendadas pelo festival a compositores brasileiros. Em 13 de junho estreia “O Corvo”, de Eduardo Frigatti (inspirada no conto de Edgar Allan Poe), e no dia 20 “Moto-Contínuo”, de Piero Schlochauer.

Já primeira a estrear, no último fim de semana, foi “Três Minutos de Sol”, de Leonardo Martinelli, com libreto do jornalista João Luiz Sampaio.

A obra inclui apenas três personagens –Laura, a soprano Lina Mendes; Marcos, o barítono Vitor Mascarenhas; e Duda, personagem cuja identidade de gênero não é evidente, e que segundo a partitura pode ser interpretada tanto por um cantor como por uma cantora (no caso desta montagem, pelo contratenor Sávio Faschét).

Em isolamento social, os três se relacionam amorosamente —inclusive como trio— através de mensagens de texto. O que ouvimos cantado —num canto estranho, atonal, sóbrio e dissonante— são as próprias mensagens trocadas.

A compressão musical da ópera permite a execução por apenas oito músicos, com flauta, clarinete, fagote, trompa, piano, violino, viola e violoncelo.

Martinelli não faz música com pressupostos rígidos. Ao contrário, oferece generosamente ao drama o que ele precisa, sem forçar nada. Sua escrita é contemporânea, mas leve e transparente ao mesmo tempo, o que a dota de uma componente que poderia ser chamada de “clássica”.

Um acorde repetido ao piano introduz sonoramente as personagens, que são aproximadas, separadas e individualizadas cenicamente através do uso preciso da iluminação e da ambientação, enquanto a alternância rápida de uma figura de duas notas que vai de um instrumento a outro serve para dar movimento às cenas.

Na passagem mais ousada e criativa, quando o trio se solta e interage sexualmente através da troca de mensagens por celular, uma obsessiva escala ascendente propõe ambiguidades melódicas e rítmicas que a fazem ao mesmo tempo parecer e não parecer emanar de padrões sonoros estabelecidos.

Os três cantores estão em grande forma, e a personagem enigmática de Duda tem na performance de Sávio Faschét momentos memoráveis, como na ária em que reveza o registro de tenor, próprio de uma voz masculina, com o de contratenor, muitas vezes associado ao estereótipo de um registro típico de voz feminina.

Outro momento espetacular é o dueto de Laura e Duda, com as duas vozes agudas sempre se aproximando, mas separadas inexoravelmente por um intervalo mínimo —uma diferença irreconciliável.

Angústia, sexo e solidão são temas comuns da arte contemporânea, e não é a primeira vez que o Festival Amazonas de Ópera tematiza essas questões —lembremos a histórica encenação em 2012 de “Lulu”, de Alban Berg.

No final de “Três Minutos de Sol” tudo ata e desata –as tintas sobre os corpos, os raros instantes de luz à janela, e o final contido, sem grandiloquências. “O tempo não existe mais”, fala Laura —sem cantar— no “finale” ao crepúsculo.

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