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Tema racial na série 'In Treatment' é oportuno, e não só para americanos

Quarta temporada da produção, com Uzo Aduba, vem com um bônus que cairá como uma luva para nós brasileiros

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Para quem prefere diálogos a explosões, aprecia o trabalho de interpretação dos atores e gosta de se embrenhar em questões humanas profundas, a série "In Treatment" já seria um prato cheio. Mas, além de oferecer tudo isso, a quarta temporada vem com um bônus, que cairá como uma luva para nós brasileiros.

Estamos na pandemia e assim também a psiquiatra e psicoterapeuta Brooke Taylor, a hipnótica Uzo Aduba, que observa os protocolos sanitários como atendimento virtual e em sua casa —evitando o consultório em prédio comercial.

As sessões se dão em tempo real, assim como os encontros com os demais personagens, que fazem com que Brooke esteja, digamos, entre os casos em tratamento. Estrutura conhecida dos fãs da série —que tem versão nacional com o excelente Selton Mello dirigindo e atuando— volta a funcionar agora com novo elenco.

cena de série
Uzo Aduba em cena da quarta temporada da série 'In Treatment' - IMDb/Divulgação

Sai Gabriel Byrne, ator que encabeçou as três primeiras temporadas, e entra Uzo Aduba. A escolha não passará despercebida para o público brasileiro, ainda pouco acostumado a ver uma mulher negra, cuja beleza não corresponde ao padrão anoréxico vigente, ocupando um lugar de protagonista, com prestígio e poder.

Se nos Estados Unidos o tema racial se mostra oportuno —e bem retratado na série—, que dirá para o público brasileiro? Afrodescentes correspondem a 13,8% do total população americana, enquanto que aqui são 54%, o que torna a disparidade entre o número de psiquiatras e psicoterapeutas brancos e negros alarmante. Daí o bônus, que nos dá o que pensar.

O tema da desigualdade aparece com Eladio (Anthony Ramos impecável), jovem imigrante de origem humilde que recebe tratamento pago pela família na qual trabalha. O privilégio de ter sessões pagas com uma terapeuta famosa e cara não esconde o fato de ele ser um funcionário absolutamente substituível.

Com esse caso, atendido virtualmente, vem à baila outro tema atualíssimo e que diz respeito ao uso de medicação psiquiátrica. Na contramão da panaceia medicamentosa na qual nos enfiamos, o discurso de Brooke é bem claro –nada de tapar o buraco existencial com fármacos, cujo valor é diretamente proporcional à criteriosa indicação. Remédios psiquiátricos bem indicados podem ser maravilhosos, mas, quando oferecidos levianamente, se tornam o desastre individual e coletivo que é bem conhecido da nossa época.

O cruzamento entre os dramas pessoais e as condições sociais de cada personagem criam cenas memoráveis como o embate entre Brooke e o paciente Colin, papel de John Benjamin Hickey. Cenas dignas de um teatro muito bem filmado, revelando um homem branco acostumado a ter prestígio, tendo que se adaptar a um novo lugar social, tão desconfortável, quanto irreversível.

Afinal, para além do drama pessoal do personagem —que cometeu fraude e foi preso—, ele já teria de rever suas relações sociais em tempos de reivindicação por equidade.

A geração Z é bem representada por Laila, papel de Quintessa Swindell, cuja arrogância própria da juventude vem para aplacar um profundo medo diante da vida adulta.

"In Treatment" não se perde em clichês, costurando muito bem diálogos e personagens, incluindo os que dizem respeito à vida particular da doutora Taylor. Nesse ponto, a figura carismática de Uzo Aduba rouba a cena ao revelar o luto particular da terapeuta pela perda do pai, que acaba de morrer, com que tinha várias questões em aberto.

A sessão de análise, diferentemente das terapias —não chegamos a saber exatamente qual a abordagem de Brooke— se assemelha a uma pescaria, com seus silêncios e momentos de virada. As sessões de Brooke são mais interativas, com a terapeuta contando sua vida pessoal sempre que acha que precisa fisgar a confiança do paciente. Truque sedutor, nada recomendável numa terapia, mas muito apropriado para a dramaturgia.

Abordagens e licença poética à parte, a série tem ainda o mérito de demonstrar como situações sociais quase estereotipadas —como a pobreza, as relações raciais e de gênero— não nos revelam como cada sujeito se vira para lidar com elas. Quanto a isso, só saberemos se oferecermos espaço para escutar. Esse é o convite que "In Treatment" nos faz –escutar, refletir e nos emocionar.

In Treatment

  • Onde Na HBO
  • Classificação 16 anos
  • Elenco Uzo Aduba
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