Com as casas noturnas reabrindo em Nova York, a vida volta a ser um cabaré

O grande 'songbook' americano, jazz, drag e muito mais estão voltando aos pequenos palcos íntimos

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Elysa Gardner
The New York Times

“Obrigado a todos vocês por arriscarem suas vidas para comparecer esta noite”, brincou Joe Iconis, recebendo a plateia socialmente distanciada que compareceu à reabertura do Feinstein’s/54 Below, um cabaré em Manhattan.

O compositor, letrista e músico Iconis, amado pelos fãs mais jovens do teatro musical, estava brincando, mas, antes de iniciar um set que alternava momentos brincalhões e pungentes, em companhia do ator e cantor George Salazar —astro de “Be More Chill”, a primeira produção de Iconis na Broadway—, ele acrescentou, em tom sincero: “É a coisa mais incrível poder fazer esse show para seres humanos reais, e não telas de computador”.

Reuniões sentimentais entre artistas e fãs vêm acontecendo em toda a cidade, à medida que as restrições da Covid-19 começam a ser relaxadas gradativamente. “Espero que vocês estejam preparados para a emoção que eu vou mostrar quando subirem ao palco, porque vai ser um momento emocional para nós, podermos voltar a apoiar os artistas que amamos”, disse um fã à banda Betty.

Nos espaços aconchegantes que abrigam esses shows, a interação entre os artistas e as pessoas que os amam é parte integral do que Sandra Bernhard, atração permanente em Manhattan, define como “uma experiência visceral, completamente vinculada a cada momento”.

Casas muito tradicionais como os clubes de jazz Birdland e Blue Note, locais mais novos como o Green Room 42 e o City Winery at Hudson River Park (reabertos em abril), além do Pangea e do Club Cumming, dois oásis do cabaré alternativo no East Village, voltam a oferecer comida, bebida e entretenimento de corpo presente, e veteranos do cabaré —além de outros músicos de jazz e pop, e artistas drag— voltam ao trabalho que sempre foi seu ganha-pão.

“Ver as pessoas respondendo fisiologicamente à música uma vez mais —os pés se movendo, as cabeças acompanhando o ritmo— é quase melhor que os aplausos”, disse o pianista e cantor Michael Garin, um dos muitos que usaram a mídia social para se manterem conectados com os fãs durante a pandemia e que esteve entre os primeiros cantores a retomar as apresentações ao vivo.

Mas, apontou Garin, “não é como se bastasse apertar um botão e levar tudo de volta ao normal”. Especialmente no segundo trimestre, nem todo mundo estava preparado para recomeçar de onde havia parado. “Alguns músicos estavam prontos para aceitar convites para shows o mais cedo possível, mas outros preferiram esperar para ver e não sabiam se queriam se apresentar em espaços fechados, àquela altura”, disse Steven Bensusan, presidente do Blue Note Entertainment Group.

O produtor e apresentador Scott Siegel, criador do Scott Siegel’s Nightclub New York, uma casa noturna virtual, disse que alguns dos espectadores continuam a ter dúvidas. “Todo mundo está esperançoso, mas já ouvi pessoas dizendo que estão nervosas. Também há muita gente que vem de fora da área dos três estados [Nova York, Nova Jersey e Connecticut], e é mais complicado chegar à cidade”.

Com a regulamentação ainda indefinida, é preciso tanto vigilância quanto capacidade de adaptação. Antes do anúncio do governador nova-iorquino Andrew Cuomo, na metade de junho, de que o estado retomaria as atividades quase integralmente, o Birdland tinha planejado voltar em 1º de julho com apenas 50% de sua capacidade.

Mas em lugar disso seus 150 lugares estão disponíveis desde a reabertura, e os apresentadores de variedades Jim Caruso e Susie Mosher destacaram luminares do teatro e das variedades como Chita Rivera e Natalie Douglas, na primeira semana de retorno —o Birdland Theater, o palco no subsolo do clube, ficará fechado até setembro.

O Blue Note, que foi reaberto na metade de junho com cerca de dois terços de sua capacidade, mais tarde voltou a permitir a ocupação de todos os seus 250 lugares. Nenhum dos clubes requer prova de vacinação contra o coronavírus, ainda que o Birdland recomende que as pessoas não vacinadas usem máscaras.

Em contraste, no 54 Below, onde o plano é ampliar a lotação gradualmente até o retorno à capacidade plena de 150 espectadores, prova de vacinação é requerida. O mesmo vale para a sala de cabaré de 60 lugares do Pangea, que continua limitada a 80% de sua capacidade. As duas salas estão entre as que desenvolveram apresentações via streaming quando estavam fechadas para o público.

“No começo foi algo que fizemos para nos mantermos ativos, mas se tornou uma maneira de pagar o pessoal e expandir a audiência”, disse Richard Frankel, um dos proprietários do 54 Below, que lançou sua nova série de shows ao vivo em streaming direto da casa, “Live From Feinstein’s/54 Below”, em 11 de julho. “No momento, o enfoque está em nossa reabertura para shows com público, mas o streaming com certeza será algo que continuaremos a explorar quando a poeira assentar”.

Ryan Paternite, diretor de programação do Birdland, se sente igualmente encorajado pela recepção ao “Radio Free Birdland”, ainda que tenha acrescentado que “minha sensação é de que as pessoas estão cansadas de assistir a shows em seus computadores ou telefones – especialmente se tiverem de pagar ingressos”.

Os artistas em geral demonstram otimismo diante das oportunidades criadas pela tecnologia. “Eu sou muito pró-streaming”, disse Lili Cooper, atriz e cantora ganhadora do Tony, que vai se apresentar em 28 de julho e 15 de agosto no 54 Below. “Amplia o espectro de quem pode ver as coisas, e o que é muito importante."

Caruso planeja continuar a transmitir sua “Pajama Cast Party” via streaming a cada semana —ele disse que o programa permitiu que diversificasse tanto sua audiência (“que se tornou mais colorida, literal e figurativamente”) quanto seu elenco (“eu mergulhei no Instagram e TikTok e descobri alguns artistas novos empolgantes”).

Muita gente espera que a diversidade e inclusão sejam ainda mais enfatizadas em uma forma de arte que conta com cantores negros como Mabel Mercer e Bobby Short como ícones históricos. “Minha arte muitas vezes se baseia naquilo que vivi, e ser um homem negro é parte disso”, disse Derrick Baskin, veterano da Broadway que incluiu muitos clássicos do R&B no seu repertório em shows recentes no 54 Below.

Justin Vivian Bond, que deve reabrir o Joe’s Pub em outubro, disse que “o que o cabaré tem de brilhante é que você pode reagir, se for capaz, ao que esteja acontecendo no mundo”. Para Bond, a pandemia apresentou desafios tão preocupantes, ainda que de forma diferente, quanto aqueles que a comunidade LGBTQIA+ enfrentou durante outra praga.

“Quando a Aids estava acontecendo, você pelo menos podia fazer companhia às pessoas em seus momentos finais. Aquilo por que passamos [agora] foi um trauma muito isolador. Não sei se terei insights brilhantes a respeito, mas com alguma sorte o que terei a dizer vai ecoar junto à audiência.”

Bernhard, que volta ao Joe’s Pub em dezembro para sua temporada anual de festas, que ela não pôde realizar em 2020, ainda não sabe sobre o que vai falar. “Eu não sei que mudanças os próximos dois meses vão trazer, em minha cabeça”, ela disse. “Só quero me apresentar, como todo mundo mais, agora."

Os artistas e os fãs serão recebidos com reformas e outros estímulos, em algumas salas. O Birdland reduziu seu preço de entrada, em julho, a 99 centavos de dólar, o valor que cobrava quando a casa foi aberta em 1949. O 54 Below oferece um novo cardápio criado por Harold Dieterle, vencedor do programa “Top Chef”.

O Laurie Beechman Theatre, do West Bank Café, vai passar por uma “plástica”, disse seu proprietário, Steve Olsen —pintura nova, novos tapetes e equipamento de bar, som e luz melhorados—, em preparação para sua reabertura no começo de setembro. O Triad Theater também usou o período de fechamento forçado para “melhorar a mobília, pintar a casa e instalar equipamentos novos”, disse o diretor de elenco Bernie Furshpan.

Mas é o amor pela música, e a perspectiva ganha depois de um ano de shows cancelados, que propelem a reação emocional de muitos artistas à sua volta aos palcos. Michael Feinstein, o paladino do grande “songbook” americano que empresta seu nome a três casas noturnas em San Francisco, Los Angeles e Nova York, acredita que “qualquer artista está saindo disso em posição muito diferente da que entrou, com uma sensação maior de conexão, alegria e gratidão”.

“Não consigo imaginar qualquer artista, agora, que encare com leviandade qualquer parte daquilo que fazemos”, ele acrescentou.

Tradução de Paulo Migliacci

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