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mostra de cinema

'Laços' é trama literária sobre traição e seus efeitos sem sutileza

Filme italiano transpõe romance homônimo de Domenico Starnone

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Laços

  • Quando Estreia em 9 de julho
  • Onde Claro Now, Vivo Play, Sky Play, iTunes/Apple TV, Google Play e YouTube Filmes.
  • Elenco Lugi Lo Cascio, Alba Rohrwacher, Silvio Orlando, Laura Morante e Linda Caridi
  • Produção Itália/França, 2020
  • Direção Daniele Luchetti
  • Duração 100 min

Adaptar uma obra de um meio a outro supõe sempre uma dificuldade de superação complexa. Esperamos a fidelidade ao original, mas essa mesma fidelidade ao objeto “de partida” pode derrubar o sucesso da obra “de chegada”.

A instabilidade desse equilíbrio é proporcional à dimensão artística do original. Trocando em miúdos, é mais fácil adaptar um romance convencional, digamos um policial com começo, meio e fim linearmente organizados, do que uma obra como “Laços”, de Domenico Starnone.

O romance, publicado no Brasil pela Todavia em 2017, é um livro sóbrio e conciso sobre o peso de um adultério na vida de uma família. Nele, vemos a partir de um fato no presente —a invasão do apartamento dos idosos Aldo e Vanda—, a reconstituição, em meio à desordem, do passado dos dois e da família que formaram.

O livro, que mesclava algo de thriller ao drama psicológico, foi transposto para o cinema no ano passado por Daniele Luchetti.

Experiente, Luchetti esteve à frente de projetos que falam das divisões políticas de seu país, como “Meu Irmão É Filho Único”, de 2007, acerca da disputa entre comunistas e fascistas. Na TV, responde por parte da terceira e ainda inédita temporada da série "A Amiga Genial”, excelente adaptação da tetralogia assinada por Elena Ferrante.

“Laços”, que abriu o Festival de Veneza no ano passado, guarda um parentesco indireto com esse último trabalho.

Em várias ocasiões, especulou-se que Starnone, autor do romance, seria a pessoa por trás do fenômeno Ferrante. Uma investigação conduzida por um jornalista italiano cravou que ela seria na verdade a tradutora Anita Raja, mulher do escritor.

Raja, como Starnone e os personagens de Ferrante e os de “Laços” são napolitanos. E em Nápoles, no início dos anos 1980, começa o filme de Luchetti.

Somos apresentados a Aldo e Vanda, ele radialista, condutor de um programa sobre livros na RAI, em Roma, e ela, dona de casa. Vige um ambiente de harmonia familiar nos momentos domésticos com os filhos, Anna e Sandro, que subitamente se desfaz com a revelação de Aldo de que fora infiel.

O livro se abre já com os efeitos da traição, narrado nas cartas de Vanda a Aldo. Que esse cotidiano que vemos na tela não seja assim descrito no livro não é em si um pecado, mas antes necessidade do roteiro. O problema aparece no tom adotado ao transpor para imagens o que só era insinuado.

As frases de efeito dramático que, no livro, são escritas por Vanda, e não ditas, se traduz em falas desesperadas que a tornam patética. Encenados, os acontecimentos das cartas perdem qualquer contenção.

A amante, Lidia, apenas recordada pelos demais no livro, ganha um peso muito maior na trama cinematográfica. O encanto evidente de Linda Caridi acentua os aspectos menos positivos de Vanda, de certa forma justificando o desinteresse de Aldo pela mulher e pelos filhos.

Assim, Luchetti fez um filme que reforça um determinado clichê italiano, o pendor pelo excesso de emoção, ausente do livro de Starnone.

Não ajuda que, de chofre, vejamos os carismáticos Lugi Lo Cascio e Alba Rohrwacher substituídos por Silvio Orlando e Laura Morante. A qualidade da atuação da dupla mais velha não basta para dar brilho à amargura do casamento refeito.

A reconstituição desse vínculo é outro ponto que sofre. Falha o esforço de levar à tela, em duas linearidades paralelas, a do presente e do passado, uma trama que no romance é composta pelas lembranças e conjecturas de Aldo, narrador da maior parte do livro.

Quando a bela e frágil Vanda se torna uma mulher seca, e o caloroso Aldo, um homem anódino, fica difícil entender por que reataram seus laços.

Se a literalidade não é um critério para determinar a qualidade de uma adaptação, é eloquente, neste caso, que os momentos mais tocantes sejam aqueles em que o texto de Starnone se preserva. Não se criticam aqui opções menores do roteiro. O que está em pauta é o movimento que borra a sutileza da obra literária ao a transformar em imagens.

Exemplar dessa perda de agudeza é o enfoque dado à caixa de Praga. No livro, o objeto trazido de viagem por Aldo se encontra longe dos olhos, banido por Vanda para uma prateleira alta. No filme, fica à vista de qualquer pessoa que chegue à casa. Assim como ela se torna evidente em cena, também fica demasiado explícito o que ela tenta esconder.

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