Estamos sacrificando os jovens pela saúde de seus pais e avós, afirma filósofo

Francês André Comte-Sponville, que participa do Fronteiras do Pensamento, condena elevação da saúde a valor supremo

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Mais de um ano desde o início da pandemia, a saúde tem sido o assunto principal de nossos dias. Um dos grandes filósofos franceses contemporâneos, contudo, tem questionado a supervalorização da saúde em detrimento da liberdade.

André Comte-Sponville, autor de, entre outros, “O Espírito do Ateísmo” e “Pequeno Tratado das Grandes Virtudes”, lançados pela WMF Martins Fontes, tem dito em entrevistas que a saúde se tornou tirânica e que estamos sacrificando a vida das gerações mais jovens pela saúde de seus pais e avós.

“O que quero dizer é que a saúde não é o valor supremo. O amor, a justiça ou a liberdade são valores mais elevados. O lema da república francesa não é saúde, igualdade e fraternidade”, diz o filósofo em conversa por email. “Mais vale um indivíduo doente e cheio de amor que um desprezível cheio de ódio e saúde.”

homem branco de cabelos brancos e óculos sentado lendo
O filósofo francês André Comte-Sponville - Divulgação

O filósofo, que dedicou sua carreira a questões da ética e ao estudo de nomes como Epicuro e Montaigne, é um dos entrevistados da Maratona Fronteiras neste sábado, que tem ainda Marina Abramovic e Andrew Solomon. O evento online é uma prévia do Fronteiras do Pensamento, que começa em agosto, e nele serão anunciados os conferencistas deste ano.

Comte-Sponville havia dito em outubro a uma rádio que preferia ser contaminado pela Covid em uma democracia do que não ser contaminado em uma ditadura. “Eu disse ‘ser contaminado’ e não ‘morrer de Covid’. É verdade que é melhor viver numa ditadura do que morrer numa democracia, mas também se morre em ditaduras.”

Ele diz que, na França, há a tendência de tomar a saúde dos mais velhos como prioridade, sacrificando os jovens, mas que os idosos são os mais vulneráveis apenas no que diz respeito à saúde. “Qual o maior dos riscos? Morrer jovem. Esse é um risco que não corro há tempos”, diz o filósofo, que tem 69 anos.

Segundo os dados do serviço de saúde pública da França, até o fim de abril deste ano, 93% dos franceses mortos de Covid-19 tinham 65 anos ou mais. No Brasil, porém, de março do ano passado a abril deste ano, 73% dos mortos por Covid tinham 60 anos ou mais.

Outros riscos, segundo ele, são o desemprego e o aquecimento global, duas ameaças aos jovens. “Não é normal que comprometam a vida dos mais jovens, seus estudos, suas carreiras profissionais, seu lazer, seus amores e sua liberdade para proteger a saúde de seus pais e avós."

“A saúde é menos um valor do que um bem, desejável, é claro, mas que não pode passar por valor moral ou político”, diz, e acrescenta que não se pode contar com a medicina para dar sentido à vida.

A reconciliação com a finitude da vida e buscar para ela um sentido, aliás, é um dos temas da obra de Comte-Sponville, para quem não há Deus. Para tal, diz ele, é preciso amar a vida como ela é, mortal e imperfeita, e não ficar sonhando com outra vida. “É aceitar a finitude e não temer a morte”, diz. “Costumo dizer que filosofar é pensar sua vida e viver seu pensamento. A filosofia serve para isso, para pensar melhor, para, então, viver melhor.”

Ele costuma dizer e escrever que a filosofia tem o todo por objeto, a razão por meio e a sabedoria por objetivo. Mas não uma sabedoria que seja serenidade ou felicidade. “A sabedoria é o máximo possível de felicidade com o máximo de lucidez, e esses máximos variam em função dos indivíduos e das situações. Não se é sábio da mesma forma em Auschwitz e na Acrópole, ou em tempos de paz e em tempos de guerra, nem aos 20 anos e aos 60.”

De seus 20 anos, o filósofo, que foi aluno de Louis Althusser, importante pensador marxista das ideologias, diz que abandonou a ideia de revolução. “Digamos que me tornei um social-democrata ou um liberal de esquerda”, diz. “Renunciei à ideia de revolução, mas não às de justiça social, liberdade e progresso.”

O papel das esquerdas na atualidade é um dos assuntos que abordará na Maratona Fronteiras. Para ele, ser de esquerda hoje é se preocupar, primeiramente, com os interesses dos mais pobres e dos mais numerosos, e não com seu próprio interesse ou com a grandeza da nação.

“É por isso que me reconciliei com o liberalismo econômico. É melhor ser pobre numa sociedade rica que ser pobre numa sociedade pobre”, diz Comte-Sponville. “A única maneira de diminuir a miséria é criar riqueza, e as sociedades liberais o conseguem fazer melhor que as outras.”

Maratona Fronteiras

  • Quando sábado (10), das 16h às 20h
  • Onde online, no site do Fronteiras do Pensamento
  • Preço grátis; necessária inscrição prévia
  • Link: https://www.fronteiras.com/

Fronteiras do Pensamento 15 Anos - 8 Pensadores Indispensáveis para Entender o Nosso Tempo

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.