Descrição de chapéu Cinema festival de cannes

Iraniano de 'A Separação' retorna a Cannes com trama kafkiana cheia de guinadas

'O Herói' é nono filme de Asghar Farhadi, diretor já premiado com dois Oscar de melhor filme estrangeiro

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Cannes (França)

Quando o homem sai do táxi e caminha aos pés de uma necrópole antiga, ainda não sabemos quem ele é nem quais são seus dramas particulares. Mas nessa tomada, a mais ampla de seu novo filme, o iraniano Ashgar Farhadi reduz seu herói à dimensão de uma formiga contra o paredão de pedra em que foi escavada a tumba do imperador Xerxes.

São poucos segundos antes de a câmera voltar à perspectiva do ombro do protagonista de “O Herói”, que estreou nesta terça no Festival de Cinema de Cannes. É o suficiente para mostrar que essa será a história de um indivíduo em si insignificante, mas cuja experiência é universal.

O diretor iraniano Asghar Farhadi na estreia de seu novo filme 'O Herói', em competição no Festival de Cannes - Sarah Meyssonnier/Reuters

O homem que sobe a escada em meio a sons de ferramentas atende pelo nome de Rahim e, em seu primeiro diálogo, revela que tem um problema de dinheiro, mas espera resolver isso em breve.

Interpretado pelo iraniano Amir Jadidi, Rahim está numa saída temporária da cadeia, onde cumpre pena por calote. Poucos dias antes, caiu do céu a oportunidade de saldar sua dívida. Farkhondeh, sua namorada, encontrou na rua uma bolsa cheia de peças de ouro.

É a primeira reviravolta de várias que enredam Rahim, sua namorada e sua família numa teia kafkiana, na qual ele passa de herói a vilão e de novo a herói em questão de dias.

Sem conseguir vender o ouro, o presidiário decide procurar seu verdadeiro dono para devolver o achado. O gesto atrai a atenção de diretores da cadeia, interessados em fazer dele um exemplo.

Rahim de início resiste. “Não fiz nada de especial”, afirma antes de ser entrevistado por uma emissora de TV. Além disso, ele quer proteger Farkhondeh, cuja família ainda ignora o namoro.

Como isso o impediria de contar a história em público, um de seus guardiões o convence a dizer que foi ele quem encontrou o ouro. Entre ingênuo e encantado com os refletores, Rahim concorda.

Essa primeira falha, que cobrará seu preço mais tarde, é a última revelação aqui sobre o enredo. Guinadas inesperadas são a essência do filme, e revelar esses momentos seria um desserviço ao espectador.

O que é possível dizer sem estragar prazeres é que ninguém é tão bom ou tão mau quanto parece à primeira vista. Nem o fiador de Rahim, responsável por sua prisão, nem o futuro empregador que desconfia de sua história, nem a instituição de caridade que tenta ajudar ele.

As mídias sociais, capazes de construir ou destruir reputações, também encontram seu lugar em “O Herói”, já que são o “espaço perfeito para mal-entendidos”, segundo Farhadi, de 49 anos. “Você usa poucas palavras para apresentar uma notícia, uma pessoa, uma história. E muitas vezes a situação ou a pessoa são mais complexas, precisariam de mais espaço para realmente apresentar as nuances”, afirmou o diretor à revista Variety.

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O ator Amir Jadidi, à direita, em cena do filme 'O Herói' (2021), de Asghar Farhadi - Reprodução/IMDb

“O Herói” é o quarto filme de Farhadi em Cannes, onde ele ainda não levou a Palma de Ouro. “O Passado”, de 2013, ganhou o prêmio do júri ecumênico, e “O Apartamento”, de 2016, o de melhor roteiro. Sua participação mais recente foi com “Todos Já Sabem”, de 2018, rodado em espanhol.

Um dos poucos diretores a ter vencido dois Oscar de melhor filme estrangeiro, com “O Apartamento” e “A Separação”, de 2011, Farhadi também ganhou o Urso de Ouro e o prêmio do júri ecumênico do Festival de Berlim por esse último filme. “Procurando Elly”, de 2009, levou o Urso de Prata de melhor diretor.

Como nos sucessos anteriores, em “O Herói” ele mostra talento para exibir cenas de forte carga emocional com poucas palavras e até com pouca ação —embora ela apareça de forma decisiva ao longo da trama.
Grande parte desse efeito vem da câmera que acompanha de perto os atores e põe a plateia dentro da cena. É pelo olhar, tom de voz, ritmo da respiração e movimento dos corpos que o diretor imprime as variações interiores de seus personagens.

Esse matiz só é quebrado pelo personagem do filho de Rahim, um menino muito gago cuja participação na trama acrescenta sempre tristeza e aflição. No fim, Farhadi leva seu herói para o mesmo lugar de onde partiu. Mas, com outro ponto de vista, pela esquadria da porta Rahim assiste a um futuro possível.

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