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Louise Glück, a última Nobel, faz poemas em diálogo com sua solidão

Escritora americana enfim tem obra traduzida para o português, com coletânea de seus três últimos livros

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Yasmin Nigri

Poeta e artista visual, tem mestrado na área de estética e filosofia da arte pela Universidade Federal Fluminense e faz doutorado na PUC-Rio

Poemas (2006–2014)

  • Preço R$ 79,90 (504 págs.); R$ 39,90 (ebook)
  • Autoria Louise Glück
  • Editora Companhia das Letras
  • Tradução Heloisa Jahn, Bruna Beber e Marília Garcia

Para a sorte do público brasileiro, a poeta Louise Glück, americana laureada com o Nobel de literatura no ano passado, chega às livrarias brasileiras traduzida em língua portuguesa pela primeira vez.

A Companhia das Letras lança uma edição que reúne os três últimos volumes da autora, lançados de 2006 a 2014, cada um traduzido por uma poeta brasileira —são elas Heloisa Jahn, Bruna Beber e Marília Garcia.

Paralelamente, a editora disponibilizou em ebook o discurso do prêmio Nobel, que em virtude da pandemia foi feito de casa. Dele, vale destacar um trecho. “Eu me sentia atraída, naquele tempo [a infância] e hoje, pela voz humana solitária, que se ergue em lamento ou anseio. Poetas íntimos, sedutores, muitas vezes furtivos ou clandestinos. Não poetas de estádio. Não poetas falando consigo mesmos.”

Transportar essa atmosfera de intimidade e sedução de uma língua a outra não é tarefa fácil, mesmo às tradutoras mais competentes, por isso costumamos dizer que só poetas são capazes de traduzir poesia, ou seja, encontrar o que há de atraente naquela voz que seja transponível de uma língua à outra.

Tomemos como exemplo a polonesa Wislawa Szymborska, laureada com o mesmo prêmio em 1996, fenômeno de vendas no Brasil após ter uma antologia publicada pela mesma editora. Ainda que o polonês seja muito menos próximo à nossa língua, a tradução de Regina Przybycien garantiu o sucesso da transposição, que fez com que o público se identificasse com uma voz que, mesmo vinda de tão longe, mostrou ter um alcance ainda mais abrangente.

Lendo a poesia de Glück nesta edição bilíngue, é possível constatar que esse trabalho de transporte entre uma língua e outra também é muito bem-sucedido. A poeta está sempre em diálogo com a sua solidão, e em sua escrita existe um movimento contínuo e indeciso entre exterioridade e interioridade ou íntimo e êxtimo, conflito que nunca se resolve.

Cito excertos do poema “Outubro”, do livro "Averno". "Não ouço sua voz/ com os brados do vento, assobiando sobre o solo nu/ para mim já não importa/ que tipo de som é esse/ quando é que fui silenciada, quando pela primeira vez/ achei inútil descrever aquele som?", diz a primeira parte.

"Verão e mais verão acabou,/ conforto depois da violência:/ não me ajuda em nada/ vir agora com bondades;/ a violência me alterou", diz a segunda parte.

Depois de "Averno", de 2006, vem "Uma Vida no Interior", de 2009, e "Noite Fiel e Virtuosa", de 2014. A poeta, de uma escrita intensa, condensa emoções com as quais nós, mulheres, nos familiarizamos de imediato em nosso cotidiano, sem contudo abrir mão do mistério que há na natureza —tanto aquela que chamamos originária ou mítica, quanto a secundária que funda o princípio civilizatório e dá origem ao trauma.

A única ressalva no livro é a ausência de um prefácio que situe a autora entre seus pares e que apresente seu percurso e os dados mais relevantes de sua biografia.

Quando, por exemplo, a autora começa a escrever a série de poemas “Outubro”, em 2004, pretendia responder aos ataques de 11 de setembro de 2001. Nesse mesmo ano, a poeta foi contemplada com uma residência literária na Universidade Yale.

O volume também carece de um posfácio contendo sua fortuna crítica, pois muito antes de ser laureada com o Nobel a autora já havia ganho o Pulitzer em 1993 por "The Wild Iris".

A edição brasileira nem sequer dá um panorama de sua bibliografia. Glück possui dois volumes ensaísticos sobre poesia, seus únicos escritos em prosa.

Fora isso, entre tantas poetas do cânone americano que ainda não haviam ganho tradução em nosso escasso repertório de obras poéticas em língua portuguesa, Glück veio para tomar um lugar de destaque e certamente ganhará muitas, e muitos, fãs.

Erramos: o texto foi alterado

A poeta Louise Glück venceu o prêmio Pulitzer pelo livro "The Wild Iris", não por "O Triunfo de Aquiles". O texto foi corrigido.

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