Quem é Lanny Gordin, mítico guitarrista da tropicália que tocou com Gal, Gil e Caetano

Acamado há cinco anos com uma doença autoimune, ele sofre de esquizofrenia desde um surto com LSD

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Rio de Janeiro

“Mr. Lanny!” Com esse grito, no rock “Nem Sim, Nem Não”, o cantor Eduardo Araujo despertou a guitarra de Lanny Gordin.

Em 1968, o garoto gago e magro tinha 16 anos, 1,77 metro de altura e a cara exata de quem nascera em Xangai, na China, filho de russo com polonesa. Seu nome de batismo era Alexander. Volta e meia sua cabeça fazia umas viagens exóticas. Seus riffs assanhavam os cabelos. Espigado, ele falava mais música do que português.

homem branco de barba toca guitarra
O guitarrista Lanny Gordin em retrato dos anos 1970 - Acervo Guilherme Held

“Eu me ligo só na música, sem analisar nada”, diz o guitarrista, considerado um gênio do instrumento por críticos e artistas. Acamado há cinco anos, ele fará 70 anos em 28 de novembro.

Sob influência hendrixiana, Lanny exorbitou sua versatilidade no tropicalismo, se amalgamando a um movimento antropofágico que já deglutira Jimi Hendrix. Em 1969, sua fase de danação se iniciou com os álbuns de Gilberto Gil, Caetano Veloso e Gal Costa, além do "Brazilian Octopus", com Hermeto Pascoal, velho parceiro nas noites da Stardust, a boate de seu pai, Alan Gordin.

“Gil é muito inteligente. Ele dizia umas coisas sobre como viver bem, a concepção dele sobre Deus. Um lance espiritual. A nossa convivência foi perfeita”, lembra Lanny, levado ao flerte com o baião em "17 Légua e Meia", composição de Humberto Teixeira e Carlos Barroso presente no repertório de Luiz Gonzaga.

No álbum branco de Caetano, o maestro Rogério Duprat se limitou a apresentar uma fita com a voz-guia. “Fique à vontade, Lanny. Faça como quiser.” Parece ainda pouco iluminada a relevância do guitarrista na sonoridade de Gal depois do exílio de Gil e Caetano. Sua assinatura saiu forte no álbum tropicalista de 1968, no psicodélico de 1969, e em “Legal” e “Fa-Tal”.

“A maneira que mais gosto de trabalhar é a partir de uma criação coletiva. Mas a presença da guitarra do Lanny era fundamental, importantíssima. Ele era um grande guitarrista, maravilhoso”, elogia Gal Costa, que o citou entre suas admirações em “Meu Nome é Gal”.

Outros marcos de sua discografia são “Build Up”, de Rita Lee, de 1970, e “Carlos, Erasmo”, de 1971, além dos reencontros com Caetano em “Araçá Azul” e Gil em “Expresso 2222”, em 1972 —o mesmo ano do clássico “Jards Macalé”. Ele se destacou ainda com Tim Maia, no hit “Chocolate”.

Que ninguém o chamasse para discutir questões conceituais. “Como eu não tenho consciência política, me preocupo mais com a música. Não tenho cultura pra entender o movimento tropicalista ou qualquer tipo de movimento.”

O guitarrista guardou um conselho de João Gilberto, nas coxias do show "Fa-Tal". “Você tem muito talento. Continue tocando de acordo com seu estilo.” No meio da temporada de Gal, Lanny precisou se despedir da banda e embarcar na turnê do cantor Jair Rodrigues pela Europa. Ao fim desta, decidiu descansar com sua namorada em Londres, se hospedando na casa de um hippie.

Certo dia, o tal hippie ofereceu LSD a ele como se fosse um passaporte secreto. Cores, cores, cores, paraíso, luzes, ele descreve. “Foi um efeito psicodélico. Quando eu tomei, vi tudo colorido. A realidade colorida. Aí eu pensei que entrei em outro mundo só de paz e amor. Eu era muito criança para conhecer a realidade”, afirma Lanny.

Num arco de seis meses, sete ácidos —um deles falsificado— reviraram sua consciência. No LSD número sete, ele não viu mais o sétimo céu. Trevas, trevas, trevas. Então se deu o salto da psicodelia para a psiquiatria. De mãos dadas com o pai, Lanny baixou quatro vezes no sanatório Bela Vista.

“Eles falam por aí que eu parei na música, me afastei, mas, na realidade, não foi nada disso. Continuei sempre tocando meu violãozinho. Quer dizer, fui internado num sanatório. Mas, como lá tinha um violão, eu tocava e não me preocupava com nada. Só com a minha música.”

“O meu psiquiatra explicou que, como sou esquizofrênico, o ácido foi o gatilho, engatilhou os meus problemas interiores e pôs tudo pra fora”, esclarece Lanny. Há relatos equivocados sobre um de seus surtos. “Eu queimei a mão com a ponta de cigarro porque tinha uma época na minha vida em que eu pensava que era Jesus Cristo e achava que ia salvar o mundo. Eu estava completamente fora da realidade, aí queimei a mão em sinal de sacrifício.”

“Eles me tratavam muito bem no sanatório”, garante o guitarrista. “O eletrochoque é um aparelho que era instalado como um fone na minha cabeça. Eu senti um choque elétrico que não doía, era agradável. Era mais uma vibração do que um choque elétrico.”

Em 1981, ele passou a tocar na Banda Performática do pintor José Roberto Aguilar. Com o fechamento da Stardust, nos anos 1990, caiu na penúria, mas ressurgiu no disco “Aos Vivos”, de Chico César.

Em 2002, ele se reuniu com os jovens músicos do Projeto Alfa, sua banda com Guilherme Held, na guitarra, Fábio Sá, no baixo acústico, e Zé Aurélio, na timbatera. “Era mágico viver tudo aquilo e sacar que a grande sacada do Lanny era o transe musical. A liberdade extrema, em busca do equilíbrio perfeito da música pura”, diz Guilherme Held, que morou por quatro anos com o amigo.

4 cabeças empilhadas entre LPs
Lanny Gordin (terceiro de cima para baixo) entre os membros do Projeto Alfa, formado em 2002 - Kikyto Amaral/Divulgação

Dono do sebo Baratos Afins, o produtor Luiz Calanca idealizou o CD autoral “Lanny Gordin”, de 2001, com 11 faixas extraídas de 23 fitas gravadas durante suas aulas com o guitarrista. Calanca viabilizaria ainda um álbum duplo do Projeto Alfa. Em 2007, veio o álbum “Lanny Duos” pela Universal, produzido por Glauber Amaral e Péricles Cavalcanti.

Em 31 de agosto de 2016, Lanny levantou da cama e desabou no chão. O tratamento da síndrome de Guillain-Barré, doença autoimune, duraria dois anos. Ele enfrenta agora uma espondilite anquilosante, inflamação nas articulações da coluna, mas a pandemia inviabiliza a fisioterapia. Há cinco anos não sai da cama. Cristina Zucchi, sua mulher, tem sido seu grande amparo.

“Eu não me preocupo porque tenho muita fé em Deus. Então, eu acho que Deus é tão maravilhoso que ele criou o homem para ser exatamente o que ele é. Deus, para mim, está além do bem e do mal. Está além de tudo. Ele está além do amor. Ele está além da vida e da morte, além do tudo e do nada. E ele está além de mim mesmo”, diz Lanny, sem arrependimentos.

“Eu me lembrei agora da música do Beatles, ‘Let It Be’. Deixa ser, deixa viver. Cada ser humano tem seu destino. É simples. É só viver.” Amém, Mr. Lanny.

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