Descrição de chapéu Livros

Ruy Castro retrata história definitiva de Ipanema e de seus moradores ilustres

'Ela é Carioca', de 1999, teve cerca de 200 atualizações e ganhou sete novos verbetes

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São Paulo

"Ela É Carioca – Uma Enciclopédia de Ipanema” parece ser um simples livro sobre um bairro, de interesse apenas de quem morou ou mora nele. Mas é muito mais do que isso, conforme explica seu autor, Ruy Castro, colunista deste jornal.

“É um recorte da cultura brasileira. De Ipanema saíram pessoas, obras e instituições que fizeram parte da cultura nacional. Ninguém está no livro por ter nascido lá, mas por ter feito alguma coisa que se incorporou ao Brasil, em costumes, comportamento, língua, gíria, atitudes.”

Lançada em 1999 pela Companhia das Letras, a obra volta com uma capa ligeiramente diferente —sem o bonde, mas ainda com a garota de costas em 1962 e o morro Dois Irmãos ao fundo—, novo projeto gráfico, nova bibliografia e cerca de 200 intervenções no texto para atualizar, já que muitos perfilados morreram nesses 22 anos.

“E o caderno de 32 páginas de imagens que ele tem agora é o mais bem feito e bonito de todos os meus livros”, adianta o autor. Além disso, os 231 verbetes originais ganharam a companhia de sete novos. É o próprio Ruy Castro quem os descreve para a reportagem.

“O fotógrafo Alair Gomes, pioneiro do nu masculino em fotografia no Brasil; o casal de alemães Hans e Miriam Etz, que faziam parte da vanguarda alemã dos anos 1930, fugiram para o Rio naquela época [já para o Arpoador] e Miriam foi a primeira mulher a usar um maiô de duas peças no Brasil; o cantor francês Jean Sablon, primeiro cantor francês a se atrever a usar microfone e também pioneiro do Arpoador", lista ele, sem parar.

"A cantora Joyce Moreno, com sua inaugural postura feminina na música brasileira; a professora e administradora Lygia Marina, não só ‘a Lígia do Tom’, mas um modelo típico da mulher de Ipanema, independente, realizadora e bonita; a poeta Silvia Sangirardi, cuja vida não pode ser resumida numa frase; e a Toca do Vinicius, que por 30 anos foi uma memória viva da cultura de Ipanema e do Rio.”

A proposta do livro é reviver a Ipanema que brilhou, em especial culturalmente, entre as décadas de 1910 e 1970. Por isso, quem passa hoje por aquele bairro repleto de farmácias, moradores de rua e bolsonaristas pode ter dificuldades para identificar nesgas daquela antiga glória.

“É uma consequência do que se tornou o Brasil. E não se limita a Ipanema. As farmácias são uma doença nacional, assim como os bancos, as lojas de colchões e os bolsonaristas —esses, pelo menos, brevemente se extinguirão”, opina o autor.

“Talvez a mudança de espírito, do comércio e da paisagem humana seja mais notável em Ipanema justamente porque era também o lugar mais notável. Mas continua a ser um bairro com ruas internas lindas e arborizadas e uma qualidade de vida excepcional, principalmente quanto mais perto da Lagoa.”

Festejado por suas obras sobre a bossa-nova e pelas biografias de Nelson Rodrigues, de 1992, Garrincha, de 1995, e Carmen Miranda, de 2005, Castro diz que a produção de “Ela É Carioca” foi a mais difícil de sua carreira. “A apuração foi complicadíssima, porque não foi feita de personagem em personagem, mas de todos ao mesmo tempo. Mesmo porque eles se misturavam e cada um participava da vida dos outros. A separação deles só se deu quando escrevi.”
“Era impossível contar a história de forma contínua, como fiz em ‘Chega de Saudade’ [1990], ‘A Noite do Meu Bem’ [2015] e ‘Metrópole à Beira-Mar’ [2019]. Acho que cada verbete é, de fato, uma minibiografia e que, comparativamente, deu quase tanto trabalho de apurar quanto uma biografia de verdade."

Ele afirma que o livro levou três anos de trabalho, de 1997 a 1999. "E não tem, digamos, o prestígio das minhas biografias, mas, para mim, é o mais bem realizado. Outra dificuldade do texto, a que eu mesmo me obriguei, foi a de começar todos os verbetes de maneira diferente —e nenhum deles com ‘nasceu em’.”

O escopo regional da obra trouxe um bônus inesperado ao escritor. “Como reduzir Tom Jobim ou Vinicius de Moraes, por exemplo, a verbetes, embora os deles no livro tenham dez páginas cada um? Solução –tratando da vida de cada um apenas no que tiveram a ver com Ipanema."

"E, para minha surpresa na apuração, isso explicou muita coisa da obra deles. Tom, por exemplo, enquanto morou em Ipanema, compôs a fase ‘marítima’ de sua obra, típica da bossa nova, com ‘Garota de Ipanema’, “Ela É Carioca’, ‘Fotografia’, ‘As Praias Desertas’, ‘Dindi’, ‘Inútil Paisagem’, ‘Surf Board’, ‘Samba do Avião’.”

“À medida que Tom foi se mudando para, digamos, o interior da cidade, como a Gávea e o Jardim Botânico, e passando mais tempo em seu sítio no estado do Rio, se voltou mais para a mata, os riachos, o folclore, a ecologia. Vide ‘Águas de Março’, ‘Matita Perê’, ‘Chovendo na Roseira’, ‘Borzeguim’, ‘O Boto’ e muitas mais, em seus últimos discos”, conta Castro, que, aliás, mora no Leblon.

Ele explica. “Nunca precisei morar em Ipanema porque a frequento desde meados dos anos 1960, fui amigo de quase todos os seus grandes nomes e conheço cada pedra portuguesa de suas ruas.”

Ela É Carioca

  • Preço R$ 114,90 (592 págs.); R$ 44,90 (ebook)
  • Autor Ruy Castro
  • Editora Companhia das Letras
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