Aline Torres assume Cultura em SP após conflito de Alê Youssef com Nunes

Ex-secretário deixou cargo depois do congelamento de verbas para a área, segundo relatos

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São Paulo

Pesquisadora de questões raciais e atuante em coletivos de juventude negra, Aline Torres é a nova secretária de Cultura da cidade de São Paulo. Ela vai substituir Alê Youssef, que entregou o cargo nesta quarta (25).

Torres, 35, é atualmente secretária-adjunta da Secretaria de Inovação e Tecnologia da Prefeitura. Graduada em relações públicas e pós-graduada em gestão de projetos culturais pela USP, tem experiência de dez anos na área de gestão cultural, com passagem pela Secretaria Estadual de Cultura, onde avaliou projetos inscritos no Proac.​

Em 2018, foi candidata a deputada federal pelo PSDB, com pautas voltadas a políticas culturais e periféricas. Ela é hoje filiada ao MDB.

Aline Torres, nova Secretária de Cultura de São Paulo - Leonardo Gali/RAPS

Youssef deixou o cargo antes do que previa, de acordo com relatos. O agora ex-secretário planejava ficar até março ou abril do ano que vem e só sair num momento de rearranjo eleitoral, depois de entregar o projeto do centenário da Semana de 1922, em fevereiro próximo, um xodó da sua administração.

O grande fator que pesou na sua decisão foi o congelamento de verbas para a cultura e a previsão de que o orçamento da área seria menor no ano que vem.

Youssef havia acordado com o então prefeito Bruno Covas, do PSDB, morto em maio, um aumento progressivo das verbas para a cultura —0,8% do orçamento do município em 2019, 0,9% em 2020 e 1,08% em 2021—, com o propósito de ter uma curva ascendente no decorrer dos anos.

Mas, segundo uma fonte, o montante de dinheiro previsto para 2021 não estava sendo repassado como deveria, de modo que os programadores dos equipamentos culturais não conseguiam contratar e agendar os espetáculos.

Isso teria criado um paroxismo, no qual havia o discurso de continuidade em relação às políticas de Covas, por parte do hoje prefeito Ricardo Nunes, do MDB, mas que não poderia ser colocado em prática pelos equipamentos culturais, pois o dinheiro estava congelado. Fazem parte da rede da prefeitura, por exemplo, o Centro Cultural São Paulo e a Biblioteca Mário de Andrade.

Essa situação é um reflexo da falta de compreensão do atual prefeito em relação ao valor simbólico da cultura e da economia criativa como um todo, disse um servidor, o que seria agravado no contexto da pandemia, que afetou fortemente o setor artístico.

Havia ainda a perspectiva de diminuição das verbas para os próximos cinco anos destinadas aos equipamentos culturais públicos, de acordo com um servidor ligado a uma destas instituições, que afirma que sua equipe estava tentando fazer o possível para cumprir os compromissos num cenário com cada vez menos dinheiro e sem o prospecto de obter mais.

O prefeito disse à coluna Painel que foi pego de surpresa com a decisão do secretário e que considera ter apoiado todas as suas ações na secretaria.​ Em nota, a prefeitura reafirmou o seu compromisso com a manutenção das políticas de fomento cultural da cidade e disse que o valor orçado para a Cultura em 2022 não será menor do que o de 2021, e que não é possível tirar conclusões a respeito do plano plurianual, pois ele ainda não foi aprovado pela Câmara.

Também lamentou a decisão de Youssef, "que realizou um excelente trabalho".

Em relação a valores, a prefeitura afirma, por meio da Secretaria da Fazenda, que aplicou na Cultura, em 2020, R$ 651,9 milhões, ante R$ 550,3 milhões no ano anterior. Em 2021, foram liberados até agora R$ 608,2 milhões, valor que pode ser ampliado.

Outro fator que pesou para o ex-secretário foi sua falta de interlocução com Nunes, o que demonstraria um desprestígio da área da cultura na atual gestão.

Youssef era muito próximo a Covas, de quem foi uma escolha para a gestão da Cultura em 2019. Ambos se encontravam com frequência, segundo um servidor, por isso foi importante para Youssef formalizar a programação da Semana de 1922 ainda quando o ex-prefeito estava vivo.

Num contexto de pouco diálogo com o atual prefeito, havia também a perspectiva de que a organização do Carnaval de 2022 fosse um problema para a pasta da Cultura e pudesse respingar na imagem de Youssef, responsável por criar um modelo tido como bem sucedido na cidade, sem abadás, áreas VIP ou camarotes.

Ele também fundou o bloco carnavalesco Acadêmicos do Baixo Augusta, que se tornou o maior de São Paulo.

Procurado, Youssef não quis dar entrevista.

Diversas pessoas próximas a ele também entregaram os cargos, gerando uma implosão da secretaria. Nesta quinta (26), Maria Emilia Nascimento, que era diretora do Departamento de Patrimônio Histórico da cidade, anunciou sua saída. Também se desligaram Joselia Aguiar, diretora da Biblioteca Mário de Andrade, e Hugo Possolo, diretor-geral da Fundação Theatro Municipal.​

Somadas as duas passagens, a primeira de janeiro de 2019 a março de 2020 e a segunda de janeiro a agosto de 2021, Youssef ocupou a cadeira por quase dois anos. Em carta de despedida enviada a assessores e coordenadores ligados a ele, citou incompatibilidades ideológicas e dificuldades orçamentárias para a Cultura com o novo prefeito como motivos para a sua decisão de deixar a secretaria.

Esses mesmos motivos foram tema de um vídeo publicado por ele numa rede social, nesta quinta.

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