Discos proibidos de João Gilberto surgem e somem do streaming em meio a disputa

Álbuns não poderiam ser relançados enquanto imbróglio entre herdeiros e gravadora não chegar ao fim

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

“Chega de Saudade”, um dos discos mais importantes de João Gilberto —e de toda a música brasileira— entrou recentemente no catálogo de serviços de streaming como o Spotify. O álbum, como se sabe há anos, é um dos que estão no meio de uma disputa judicial envolvendo os herdeiros do pai da bossa nova e a Universal, gravadora que comprou os selos que lançaram o músico baiano no século passado.

Além dele, outros dois álbuns estão no centro da briga na Justiça. São eles “O Amor, o Sorriso e a Flor” e “João Gilberto”, o de 1961, que também estão no Spotify. O último deles, que leva o nome do músico, apareceu no streaming apenas como parte de uma coletânea chamada genericamente de “Chega de Saudade - O Amor, o Sorriso, e a Flor - João Gilberto”.

Depios da publicação desta reportagem, todos esses discos foram retirados do Spoitfy.

Em contato com o repórter, o espólio de João, a gravadora Universal e o banco Opportunity —que assumiu o caso em troca de uma porcentagem da indenização e dos royalties dos discos— negam que estejam por trás da publicação recente dos álbuns no streaming.

Discos de João Gilberto que estão em disputa judicial publicados no Spotify em 2021
Discos de João Gilberto publicados no Spotify em 2021 - Reprodução

​Essa trilogia é exatamente o material que saiu remasterizado e remixado, sem autorização do autor, na coletânea “O Mito”, de 1988, e motivou a abertura do processo contra a gravadora —na época, a EMI—, que se arrasta desde 1997. João, que morreu em 2019, já ganhou o processo, mas a Justiça ainda não determinou qual o tamanho dessa vitória, ou o valor em dinheiro que a vitória renderia.

Além dos três primeiros discos, outra obra que leva seu nome —o álbum branco de 1973— e o “Live in Tokyo”, este lançado em 2004, também foram incorporados ao catálogo da plataforma. Todos eles estão presentes na página oficial e verificada do artista no Spotify.

Os álbuns foram atribuídos no straming a selos como Enfim Odeon, Ipanema Odeon, JG Discos ou a alguma mistura desses nomes. Odeon era o nome da gravadora que lançou João Gilberto, que foi extinta após ser comprada pela EMI e, mais recentemente, pela Universal.

A gravadora diz que não tem conhecimento da origem da publicação desses álbuns. “Não há lançamento recente do artista feito via Universal Music Brasil”, afirmou a assessoria da gravadora por email. O selo também esclarece que tem em catálogo apenas três discos do cantor —“Voz e Violão”, de 1999, “João”, de 1991, e “Brasil - João Gilberto, Caetano Veloso, Gilberto Gil”, de 1981.

O espólio do cantor afirma que não tem conhecimento dos fatos e que também não autorizou a publicação dos álbuns. O banco Opportunity também nega que tenha qualquer envolvimento na disponibilização desses discos no streaming.

“O Opportunity não tem conhecimento e não autorizou qualquer lançamento da obra de João Gilberto da fase Odeon e EMI. Em se tratando de tais fonogramas, tanto a Universal Music (sucessora da EMI) como seus cessionários estão proibidos de os explorar comercialmente. Caso verifique violações a direitos, o Opportunity tomará as medidas cabíveis para proteger a obra de João Gilberto”, disseram representantes da empresa por email.

João Marcelo Gilberto, filho do cantor, informou que também não tem conhecimento desses lançamentos, que imagina se tratar de pirataria, e que nunca recebeu nenhum dinheiro pela exploração comercial dessas músicas.

Distribuidora creditada em alguns desses lançamentos, a Tratore admite que distribui dois dos álbuns —o branco e o “Live in Tokyo”—, mas não revela quem está por trás das publicações. “A Tratore assegura que esses uploads são legítimos, o que era uma preocupação nossa, já que as plataformas de streaming penalizam empresas que distribuem conteúdos ilegais, e que estamos em contato tanto com representantes legais quanto com herdeiros do artista sobre esses materiais.”

André Dias, o renomado engenheiro de som que foi contratado pelo banco Opportunity para remasterizar as fitas másters —as matrizes, com as gravações originais sem nenhum tipo de edição— disse que os discos recém-publicados não têm nenhuma música dessas novas versões feitas por ele. O próprio João Gilberto, antes de morrer, chegou a aprovar o trabalho feito por Dias, que está pronto desde 2014, mas não pode ser lançado devido ao processo que corre na Justiça.

Em 2015, o Superior Tribunal de Justiça deu ganho de causa a João no caso contra a Universal. Desde então, a briga se dá em torno do tamanho da vitória do músico. A primeira perícia, feita em 2015, determinou que o valor devido pela Universal era de R$ 173 milhões (ou mais de R$ 200 milhões atualizados). A gravadora, porém, pediu um novo estudo, que reduziu a indenização a R$ 13,5 milhões —menos de 8% do valor inicial.

Neste ano, a Justiça determinou que uma nova perícia fosse feita, e o caso está parado desde então. Enquanto as partes não chegam a um acordo, nenhum dos discos envolvidos na disputa pôde, até hoje, ser relançado.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.