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Cinema

'O Empregado e o Patrão' retrata guerra de classes sutil no Uruguai rural

Diretor Manolo Nieto faz muito bem a função de um cineasta, tornar visível o que não é evidente

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O Empregado e o Patrão

  • Onde Em cartaz nos cinemas
  • Elenco Justina Bustos, Nahuel Perez Biscayart, Jean Pierre Noher
  • Produção Uruguai, Argentina, Brasil e França, 2021
  • Direção Manolo Nieto

O pampa é uma paisagem de beleza ainda pouco explorada. E Manolo Nieto, autor de “O Empregado e o Patrão”, sabe bem explorar o encanto um tanto agreste dessa região, diante da qual o escritor francês Drieu La Rochelle falou em “vertigem horizontal”.

Não se deve desprezar a sensibilidade desse diretor. Os planos gerais da paisagem verde rasgada, de repente, por uma estrada cor de terra já anunciam que apreender o cenário de maneira adequada não é a sua única virtude.

Com efeito, “O Empregado e o Patrão” é um título intrigante, seja por seu ar despretensiosamente autoexplicativo, seja pelas complexidades que virão em seguida. Temos ali Rodrigo, vivido por Nahuel Pérez Biscayart, jovem estancieiro que vive da plantação de soja e cujo pai é um fanático criador de cavalos. Sua vida é de poucas preocupações.

Já o jovem Carlos, interpretado por Cristian Borges, passa por dificuldades. Precisa trabalhar como tratorista, embora não tenha habilitação. Mas sabe levar um trator e Rodrigo aceita a recomendação para que trabalhe.

Nieto sabe passar ao largo dos problemas de cada um. Rodrigo se preocupa com a saúde de seu filho. Carlos, com o sustento da família. Ambos são boas pessoas, integram uma pequena sociedade, onde todos parecem se conhecer e se entender. Podemos dispensar maiores formalidades.

Se fosse há uns 30 anos, “O Empregado e o Patrão” designaria, claro, duas pessoas em campos opostos. Não hoje. Eles são próximos. O empregado é até mesmo agradecido ao patrão por ter trabalho.

É em torno dessas alterações profundas do entendimento do mundo que gira esta coprodução que se passa numa região de fronteira onde se fala português e espanhol.

O que significa isso? Se acabaram mesmo as contradições entre empregados e patrões? Fim da luta de classes?

Em princípio é isso mesmo. Rodrigo é um patrão tão boa gente que, mesmo quando Carlos perde o controle do trator e o destrói em uma vala, Rodrigo não o condena. Ao contrário, presta toda a solidariedade ao empregado, devido à morte da filha no desastre.

Na verdade, Carlos levava a família no trator, se distraiu e não percebeu que estava próximo à vala, de cujo
perigo já havia sido alertado.

Depois do luto, segue a vida. Carlos, como que para o compensar, atende ao pedido do empregado para montar um belo alazão da estância, numa importante corrida local, com mais de cem quilômetros de duração. Vencendo, ganhará um bom prêmio, enquanto o patrão (ou seu pai, no caso dá no mesmo) poderá vender o cavalo por um preço melhor.

Mas, ao contrário das aparências, a contradição entre empregados e patrões continua a vigorar, sutil, inconsciente. Não é bem de luta de classes no sentido clássico que se trata, mas de uma oposição mais surda, que não afeta propriamente as relações de poder, mas outras. E de maneira bem sensível.

O uruguaio Manolo Nieto trabalha admiravelmente sobre os sutis movimentos dessa guerra que corre
sob a aparência da tranquila vida de comunidade rural.

Não vem ao caso mencionar essas sutilezas. Elas constituem, afinal, a medula e a carne desse belo filme. Mas elas estão lá, abertas ao olhar. Manolo Nieto faz muito bem a função de um cineasta, tornar visível o que em princípio não é evidente, juntar as peças de um mundo que reluta em se mostrar e as mostrar.

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