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Cinema

'Piedade' é a melhor obra de Cláudio Assis e retrata sexo com maturidade

Cineasta consegue conciliar gritos e silêncios em filme com Cauã Reymond e Fernanda Montenegro

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Piedade

  • Quando Estreia em 5 de agosto
  • Onde Nos cinemas
  • Classificação 18 anos
  • Elenco Cauã Reymond, Fernanda Montenegro e Matheus Nachtergaele
  • Direção Cláudio Assis

Ao lançar “Amarelo Manga”, de 2002, seu primeiro longa-metragem, o diretor pernambucano Cláudio Assis começou a colecionar prêmios e admiradores. O filme, que logo se tornou cult, indicava alguns temas da predileção do cineasta e formas de os abordar.

Havia ali o olhar cortante sobre Pernambuco, especialmente sobre modos de exploração econômica revestidos de uma modernidade cafona, e o triunfo dos instintos, sobretudo a pulsão sexual que suplanta a moral e qualquer espécie de racionalidade.

“Amarelo Manga” revelava também um diretor capaz de extrair de seu elenco as melhores interpretações, desde que, claro, esses atores tivessem talento para as oferecer. O desempenho soberbo de Matheus Nachtergaele, que participou de todos os longas de Assis, é emblemático nesse sentido.

Mulher abre lata de cerveja enquanto homem a observa
Leona Cavalli e Jonas Bloch em cena de 'Amarelo Manga', de Cláudio Assis - Divulgação

Por outro lado, esse filme caía vez ou outra na verborragia e, principalmente, numa vontade quase adolescente de causar choque, sem que isso fosse indispensável para a trama. Não raro, a cena pensada para melindrar o público deixava em segundo plano passagens mais elaboradas do filme.

Para o bem e para o mal, “Baixio das Bestas”, de 2006, aprofundou essas marcas. Mas vieram “Febre do Rato”, de 2011, e “Big Jato”, de 2016, filmes que apontavam inflexões. Assis continuava impetuoso e contundente, mas ia se desprendendo dessa rebeldia pueril.

“Piedade”, de 2019, quinto longa de ficção de Assis, chega aos cinemas, enfim. É uma evolução desse processo e, portanto, o melhor filme do diretor.

Na fictícia cidade que dá nome ao filme, Dona Carminha —papel de Fernanda Montenegro— e Omar —papel de Irandhir Santos—, um de seus filhos, tocam o bar Paraíso do Mar, que fica na praia da Saudade. Muito frequentado por turistas no passado, o lugar vive um declínio por causa das águas cada vez mais poluídas pelo avanço da empresa petrolífera Petrogreen e infestada por tubarões.

Inevitável se lembrar do terror dirigido por Steven Spielberg, em 1975, quando se fala em tubarões no cinema. Há, sim, um diálogo entre os filmes, mas é uma relação distante. No drama de Assis, o peixe que afugenta os banhistas surge como face fantasmagórica de múltiplas crises –ambiental, econômica, política, moral.

Do outro lado da cidade, longe do mar, vivem Sandro —papel de Cauã Reymond— e seu filho, Marlon —papel de Gabriel Leone—, que comandam um cinema pornô. Graças às artimanhas de Aurélio —Nachtergaele—, executivo da Petrogreen que pretende ocupar o terreno onde funciona o Paraíso do Mar, esses dois núcleos se aproximam.

Assis consegue a proeza de conciliar gritos e silêncios. No caso, a indignação dos personagens diante da voracidade da empresa, inclusive jovens ativistas, e as sutilezas de relações familiares mal resolvidas ao longo de décadas.

Interdição talvez seja a palavra-chave de “Piedade”. O mar, fétido e perigoso, está interditado, assim como a rede de afetos. O filme se constrói justamente nas tentativas de rompimento dessas barreiras físicas e emocionais.

A maturidade de Assis se expressa também no modo como filma o sexo, mérito a ser compartilhado com Marcelo Durst, diretor de fotografia. Um exemplo é o encontro dos personagens de Nachtergaele e Reymond, em que os corpos expressam êxtase, alívio e carência.

O descaso das políticas federais de incentivo ao cinema, como se viu no incêndio no galpão da Cinemateca, tende a ser um empecilho para a sequência do trabalho de diretores como Assis. A julgar pela beleza e pela força de “Piedade”, seria uma tristeza não poder acompanhar seus próximos passos.

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