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Steven Pinker quer entender por que tanta gente foi irracional na pandemia

Professor de Harvard critica intolerância e defende debate aberto em conferência do Fronteiras do Pensamento

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Obra de Adriel Visoto

Obra de Adriel Visoto Divulgação

São Paulo

Em abril do ano passado, o professor canadense Steven Pinker dedicou uma aula inteira do seu curso sobre racionalidade na escola de filosofia da Universidade Harvard a um assunto que não estava no programa de estudos e começava a preocupar a todos, a pandemia de coronavírus.

Os Estados Unidos já contavam mais de 17 mil mortes por Covid-19, e a peste avançava na maior parte do globo, mas muitas autoridades ainda hesitavam diante da necessidade de adotar medidas para conter a transmissão do vírus, com medo dos custos econômicos impostos por uma quarentena prolongada.

Pinker queria mostrar a seus alunos como crenças, preferências e vieses cognitivos que desde sempre influenciam o comportamento dos seres humanos ajudavam a entender por que tanta gente subestimava a nova doença e seus riscos, agindo de forma irracional em vez de buscar proteção contra ela.

Mas o professor também queria mostrar como o conhecimento acumulado em séculos de progresso científico podia ajudar a enfrentar a crise sanitária e contornar as resistências dos que não a levavam a sério. "Se aplicarmos nosso melhor pensamento para derrotar a pandemia, teremos sucesso", afirmou.

Homem branco de perfil, com cabelos grisalhos cacheados e compridos, paletó preto e camisa azul escura.
O psicólogo e linguista canadense Steven Pinker, professor de Harvard - Chona Kasinger/The New York Times

Um ano e meio depois, Pinker vê motivos para otimistas e pessimistas cantarem vitória. Vacinas que oferecem alto grau de proteção contra a moléstia foram desenvolvidas em tempo recorde, mas muitas pessoas ainda duvidam de sua eficácia e preferem acreditar em medicamentos impotentes contra o vírus.

"O sucesso alcançado pelas vacinas é mais uma demonstração de que somos capazes de lidar com os problemas mais desafiadores", diz Pinker, em entrevista a este jornal. "O mais difícil hoje em dia é convencer as pessoas a aceitar as soluções que encontramos para nossos problemas."

Explicar por que somos assim é a ambição do novo livro do professor, "Rationality". A obra será lançada nos Estados Unidos no fim de setembro e chegará ao Brasil no ano que vem, traduzida pela editora Intrínseca. No próximo dia 8, ele falará sobre seus principais temas numa conferência do projeto Fronteiras do Pensamento.

Psicólogo e linguista, Pinker, de 66 anos, ganhou fama nos últimos anos com dois livros que ofereceram uma perspectiva otimista do desenvolvimento das sociedades contemporâneas. "Os Anjos Bons da Nossa Natureza", lançado no Brasil pela Companhia das Letras em 2017, discutiu a redução da violência, e "O Novo Iluminismo", de 2018, examinou os progressos alcançados em outras áreas.

O professor rejeita a ideia de que seja um intelectual complacente como dizem seus críticos, satisfeito com a noção de que o mundo caminha inexoravelmente para frente. Ele prefere se classificar como um otimista condicional, para quem a melhora da vida das pessoas depende de escolhas racionais e não cai do céu.

O mais difícil hoje em dia é convencer as pessoas a aceitar as soluções que encontramos para nossos problemas

Steven Pinker

Professor da Universidade Harvard

Segundo Pinker, entender por que tantos acreditam em teorias conspiratórias, fantasmas e cloroquina é um primeiro passo na busca de mecanismos que introduzam maior racionalidade no debate público, estimulem o confronto de diferentes pontos de vista e induzam as pessoas a fazer opções mais sensatas.

"Precisamos desenvolver instituições comprometidas com fatos, objetividade e entendimento", diz o professor. "Governos democráticos, universidades, jornalistas, todos precisam trabalhar para compensar os deficits da natureza humana quando se trata de buscar a verdade, por mais difícil que isso seja."

"Governos deveriam justificar suas políticas com dados e evidências científicas que possam ser criticados por outros num debate aberto", afirma Pinker. "Obrigar todos a apresentar evidências, confrontar seus críticos e responder a eles ajudaria a superar nossas falhas humanas e chegar mais perto da verdade."

Criar um ambiente que torne esse confronto produtivo é essencial para o professor. "Não se trata de consultar mentes brilhantes e se curvar a elas", diz Pinker. "Precisamos garantir liberdade de expressão e estimular o debate baseado em evidências, para induzir toda a comunidade a ser mais racional."

Ele observa que a confiança nas universidades e na mídia como referências para o debate público é menor hoje em dia, mas atribui parte da culpa a elas mesmas. "O que essas instituições oferecem ainda é muito melhor do que os boatos e as fofocas no Twitter, mas elas têm que proteger sua credibilidade."

Pinker acha que a mídia precisa manter distância da radicalização política e das pressões exercidas pelas redes sociais. "Jornais não podem ser vistos apenas como a voz de uma facção política e precisam reforçar os procedimentos que garantem objetividade, neutralidade e transparência ao jornalismo", afirma.

O professor é particularmente ácido ao descrever o que vê nas universidades americanas. "Parte do problema é que muitos na academia, e até certo ponto também no jornalismo, têm sido intolerantes com a discordância e têm punido pessoas que expressam abertamente opiniões não ortodoxas", diz Pinker.

Ele lembra o caso de um professor suspenso por uma universidade da Califórnia no ano passado após pronunciar numa aula uma palavra chinesa que soa como um epíteto racista em inglês. "As pessoas comuns acham que perdemos a cabeça na academia", afirma. "Não é assim que mereceremos sua confiança."

Em julho do ano passado, um grupo formado por centenas de linguistas pediu à Sociedade Americana de Linguística que removesse Pinker de uma lista de membros destacados da área por causa de comentários considerados racistas no Twitter e uma frase em um de seus livros, apontada como misógina.

No tuíte mais controverso, Pinker apontou estatísticas sobre vítimas da violência policial nos Estados Unidos para sugerir que a atenção ao racismo dos agentes poderia ofuscar a análise de outros problemas estruturais e econômicos que ajudariam a entender melhor os abusos e os combater com maior eficiência.

A Sociedade Americana de Linguística rejeitou a petição apresentada contra Pinker. Pouco depois, ele se juntou a um grupo de escritores e intelectuais que divulgou uma carta aberta para apontar um "clima de intolerância" na cultura americana e riscos para a liberdade de expressão e o debate público.

"Os padrões intelectuais infelizmente decaíram tanto na academia que muitos passaram a acusar pessoas famosas de racismo com base em nada, sem examinar os dados nem ler seus textos", afirma Pinker. "Essa é uma das razões pelas quais as universidades são alvo de tanta desconfiança hoje em dia."

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