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'Sex and the City' ousa continuar mesmo sob enxurrada de críticas

Temporada da influente série americana estreia na HBO Max ainda neste ano com grande parte do elenco original

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São Paulo

Desde que o primeiro teaser do revival de "Sex and the City" circulou na internet, em janeiro deste ano, e que teve no Instagram de Sarah Jessica Parker seu principal divulgador, começou o alvoroço. Eram só 39 segundos, em que imagens de Nova York iam sendo intercaladas com as palavras do título aparecendo uma a uma, como se tivessem sendo escritas na tela de um computador.

Quando as quatro apareciam completas, seguidas de reticências, a voz de Parker as lia, com a entonação típica de sua personagem na série, Carrie Bradshaw, "and just like that..." —algo como "e de uma hora para outra".

Em seguida, aparecia escrito "The story continues...". Cortava para o logotipo do canal pago HBO Max, grande, e embaixo, menorzinho, a hashtag #SATCnextchapter.

Pronto. A primeira chuva de críticas começou a pipocar na internet. "Revi um episódio de 'Sex and the City' e aquelas mulheres só pensavam em sapatos e homens", reclamava uma, numa rede social. "Quem se interessa por quatro senhoras de mais de 50 anos perambulando por Nova York atrás de marido?", vacilava outro. Mas até ali eram comentários inofensivos, de gente com tempo de sobra e memória de menos.

"Sex and the City" estreou na HBO em 1998, um ano antes de "Família Soprano", do mesmo canal. Teve 94 episódios, seis temporadas e terminou em 2004 como uma das séries mais vistas da história da televisão.

A protagonista e narradora, a escritora Carrie Bradshaw, era interpretada por Sarah Jessica Parker, uma atriz já bem conhecida na época. O programa ganhou 48 prêmios ao longo dos sete anos que ficou no ar e foi indicado para 166.

Adivinha qual das duas séries, a das mulheres ou a dos homens, é considerada o ponto zero do início da era de ouro da televisão?

"Sex and the City" foi criada por Darren Star, a partir do livro de mesmo nome escrito por Candace Bushnell, lançado em 1996 nos Estados Unidos. Era uma compilação das melhores colunas escritas pela jornalista e publicadas desde 1994 no jornal The New York Observer.

Na TV, "Sex and the City" ganhou quatro mulheres nos papéis principais, Carrie Bradshaw e suas três melhores amigas, Miranda, Charlotte e Samantha. Todas com mais de 35 anos, nenhuma casada, todas independentes financeiramente, que levavam uma vida profissional e sentimental parecida com a de qualquer homem. Quer dizer, de qualquer homem independente e bem resolvido.

Era uma novidade em termos de ficção, assim como de comportamento. Foi um avanço para o final dos anos 1990, quando o feminismo era um assunto meio escanteado na sociedade em geral, muito diferente de como é hoje.

A pílula anticoncepcional já existia havia mais de 30 anos, as mulheres já tinham direito de voto desde os anos 1930, a revolução sexual era assunto dos anos 1960, a derrota feminista do Equal Rights Movement, que revelou nomes como Betty Friedan, Gloria Steinem e Bella Abzug, dos anos 1970, já fora assimilada e o mercado de trabalho estava povoado de mulheres —não em cargos de chefia, nem ganhando o mesmo salário que os homens, aliás, mesma situação de hoje em dia.

Mas o que acontece com as mulheres nos nossos tempos a partir dos 50 anos, ou de quando quer que aconteça o fim da sua produção de hormônios, que é o desaparecimento gradual da pessoa, no final dos anos 1990 costumava acontecer a partir dos 35 anos.

Se até essa idade a mulher não tivesse conquistado sucesso profissional, ou virado mulher ou mãe de alguém, não havia muito lugar para ela, nem no mundo real nem na ficção.

Foi nesse cenário que "Sex and the City" apareceu, e é esse contexto, além do fato inegável de ser um produto muito bem escrito, bem dirigido, bem atuado e bem editado, que fez com que a série provocasse tamanha reação, tanto positiva quanto negativa.

Depois vieram dois longas-metragens, "Sex and the City", de 2008, e "Sex and the City 2", de 2010, que serviram para matar a saudade dos fãs, mas nada além disso. Não foram tão marcantes nem significaram nada.

Então, eis que em janeiro deste ano, no meio da pior pandemia da nossa era, surge a notícia da volta de "Sex and the City" à TV. "Girls", de Lena Dunham, já tinha saído do ar havia quatro anos. Quando estreou, em 2012, com quatro jovens na casa dos 20 anos vivendo no Brooklyn, um bairro que concentrava, na época, quem não tinha dinheiro para pagar os aluguéis de Manhattan, foi considerada "a nova 'Sex and the City'".

No ano passado foi a vez de "I May Destroy You", criada e protagonizada por Michaela Coel, ser considerada "a nova 'Girls'". Cada uma dessas séries lançadas com mulheres nos papéis mais importantes foram comparadas a "Sex and the City", e suas criadoras, inevitavelmente, repudiavam a comparação e negavam qualquer influência. Mas a crítica não esquecia a relação de umas com as outras, eram todas coisas raras, como é ainda hoje essa história de mulher protagonista.

Quando "Mad Men" estreou, em 2007, ninguém comparou a história do publicitário talentoso e misterioso de uma agência importante de Nova York dos anos 1960 ao mafioso de "Família Soprano". No começo de "House of Cards", em 2013, nenhum crítico traçou um paralelo entre o político inescrupuloso e manipulativo com o professor de química que se descobre portador de um câncer avançado e vira traficante em "Breaking Bad", que foi ao ar em 2008.

Outro fato provocou celeuma em relação ao revival de "Sex and the City" –Kim Cattrall, intérprete da fogosa Samantha, não estaria no elenco da nova temporada, chamada "And Just Like That...".

A atriz canadense de 65 anos rompeu publicamente com Sarah Jessica Parker, depois de anos de rumores sobre uma antiga rixa entre elas, por Twitter, em 2018. Depois da morte de um irmão de Cattrall, Parker afirmou, numa entrevista televisiva, que sentia muito pela perda da amiga.

Kim Cattrall tuitou em seguida "você não é minha amiga". "Pare de explorar nossa tragédia para restaurar sua imagem de boa pessoa", junto de um link para uma reportagem de 2017 do New York Post chamada "Por Dentro da Cultura de Garotas Más que Destruiu 'Sex and the City"'.

A falta da personagem mais livre sexualmente foi alvo de mais uma temporada desmedida de críticas negativas. Era como se tivessem tirado o "sex" de "Sex and the City", como se só Samantha representasse alguma novidade no programa.

No Instagram, mais uma vez, surgiram imagens das personagens vestidas todas de preto, acompanhando o que parece ser um velório. Os comentaristas de redes sociais juntaram isso ao fato de Parker ter afirmado em entrevista que a pandemia do coronavírus não seria ignorada pelo novo roteiro e fecharam a questão –"Samantha morreu de Covid".

Até o comediante e apresentador John Oliver, do jornal satírico "Last Week Tonight", da própria HBO, chiou. No início do mês, ele fazia um monólogo a respeito de acesso a cuidados emergenciais de saúde quando afirmou que "nenhum local de trabalho devia correr o risco de fechar porque perdeu uma pessoa". "A menos que seja o revival de 'Sex and the City'. O que vocês estão pensando? Nunca vai dar certo sem Kim Cattrall. Não é que nenhuma de vocês seja ruim, mas vocês só funcionam juntas", acrescentou.

Não acabou aí. "Eu não posso apreciar a puritana Charlotte se não tiver a safada Samantha. E eu vivo para Miranda Hobbes, mas se ela não tiver olhando de lado enquanto Samantha usa um penne para descrever o pênis de seu novo amante italiano, qual é o sentido?"

Talvez movida pela reação, a produção pode ter arrumado uma quarta mulher mais assanhada para compor a turma. Na última semana, fotos das três atrizes principais abraçadas a Nicole Ari Parker, sem relação de parentesco a atriz principal, circularam no Instagram. Ari Parker será Lisa Todd Wexley, uma documentarista milionária, que mora na Park Avenue com seu marido, Herbert Wexley, papel de Christopher Jackson, de "Hamilton", e os três filhos do casal.

Quando começaram as filmagens nas ruas de Nova York, no início do verão no hemisfério norte, foi o figurino das três personagens principais que chamaram atenção e deram vazão aos comentários mais inflamados.

Dessa vez, o elenco não será vestido pela figurinista Patricia Field, que estava na França acompanhando as filmagens da segunda temporada de "Emily in Paris" e não pode trabalhar em "And Just Like That...". Essa notícia também serviu de gancho para inúmeras análises. "O que será de Carrie sem Patricia Field?", perguntava uma resenha de uma revista de moda.

Uma imagem inicial mostrava Sarah Jessica Parker com um vestido rosa-choque na altura da canela com a saia meio rodada. Enxurradas de críticas se seguiram. "Carrie não é mais Carrie com essas roupas", publicou uma editora de moda. Mas o pior ainda estava por vir.

A personagem apareceu com um vestido estampado estilo jardineira, longo, com uma camisa de alfaiataria azul por baixo. Dessa vez, a origem da roupa foi o problema. "Meu Deus, ela está usando um vestido da [grife de fast fashion] Forever 21", quase enfartou uma jornalista de moda da publicação concorrente.

Outra revista voltada ao tema reportou que não, a personagem não tinha perdido seu amor pelas marcas de luxo, e o vestido barato estava devidamente acompanhado de uma bolsa Gucci e Balenciaga e sandálias plataforma Terry DeHavilland. Ufa.

No meio da confusão, a conta de Instagram Every Outfit on SATC afirmou que o modelo do vestido era similar a um outro, batizado de Avah, da grife @shopraga, mais aceitável para uma fashionista. Por fim, esclareceu que "o vestido foi comprado sem etiqueta, portanto sua origem verdadeira permanecerá um mistério".

Aí começaram a aparecer alguns vazamentos de roteiro, e o público ficou sabendo que Carrie e Big estão enfrentando problemas no casamento e que a jornalista agora apresenta um podcast, junto de uma comediante não binária chamada Che Diaz, papel de Sara Ramírez, de "Grey's Anatomy". Na vida real, uma repórter novinha de uma revista feminina americana tuitou que sentia "nojo" dessa informação, de tão previsível.

Dá a impressão que a internet, mais especificamente o Instagram das revistas de moda e de entretenimento, assim como uma quantidade gigantesca de internautas menos notáveis, está saindo do próprio caminho para encontrar algum problema com a volta das personagens de "Sex and the City", que têm a ousadia de continuar existindo, depois de tudo.

Do sucesso da série, do fracasso dos filmes, dos inúmeros namorados, maridos, altos e baixos profissionais, familiares e, principalmente, depois de completarem meio século de vida.

"And Just Like That..." ainda não tem data de lançamento, mas a HBO Max está tão entusiasmada com a repercussão que já estuda encomendar mais uma temporada de dez episódios de 30 minutos cada um, como será a que está sendo produzida. A ver se o canal vai conseguir enfiar goela abaixo dos telespectadores três mulheres pós-menopausa que insistem em aparecer.

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