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Terror dos contos de 'Rinha de Galos' vem do abuso, incesto e tortura

Literatura de María Fernanda Ampuero perde a força quando a necessidade de impactar o leitor fica muito evidente

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Rinha de Galos

  • Preço R$ 55 (112 págs.); R$ 38,50 (ebook)
  • Autoria María Fernanda Ampuero
  • Editora Moinhos
  • Tradução Silvia Massimini Félix

No início de “Leilão”, o primeiro dos treze contos de “Rinha de Galos”, uma jovem conta que recebeu o apelido de "monstro" na infância ao adotar um comportamento supostamente inadequado ou chocante para uma menina. Monstruosa, no entanto, é a violência da qual esse mesmo comportamento, ao afastar os abusadores, a protegeu.

De saída, portanto, a equatoriana María Fernanda Ampuero estabelece as várias camadas e roupagens do aberrante e do aterrador —incluindo as socialmente aceitas— como o principal mote da coletânea.

Embora seja possível comparar a literatura de Ampuero à de suas contemporâneas Mariana Enríquez, Camilla Grudova e Carmen Maria Machado, nela os elementos do terror são explorados de outra forma, talvez menos radical.

Veja o segundo conto do livro, “Monstros”, em que a passividade feminina também é posta em xeque. Nele, o terror é um elemento presente apenas nos filmes de vampiros e zumbis alugados às escondidas por duas irmãs gêmeas. O mal, no entanto, é aquilo que ocorre —e que é acobertado— na própria intimidade do lar.

capa de livro com galo branco de crista vermelha
Capa do livro 'Rinha de Galos', da escritora equatoriana María Fernanda Ampuero - Reprodução

O terror pode estar mal disfarçado na tagarelice maledicente de um grupo de madames em uma sala de estar com piso de porcelanato, ou exposto —o ápice de uma tensão crescente— em um jogo homicida a que elas se entregam em seguida. O terror está na desumanização das empregadas domésticas pelas patroas, no envelhecimento do corpo, em figuras paternas ameaçadoras.

O que torna alguns dos contos banais —caso de “Griselda” e de “Cristo”— não é a ausência do sobrenatural, mas o clichê aliado a certa superficialidade. Outros se enfraquecem ao espelhar a repetição pura e simples, que não raro descamba para o excesso e se transforma em gratuidade. As famílias incestuosas e a escatologia quase sempre atuam ou como um desfecho ou como catalisador.

Ampuero bem que tenta explorar novos caminhos. Em “Paixão”, há uma mulher —uma feiticeira, uma bruxa— por trás dos milagres de Cristo. No fim, ela dá a vida para Jesus poder ressuscitar. Outro, “Luto”, segue a mesma toada bíblica —um relato do evangelho de Lucas, “Jesus na casa de Marta e Maria”, dá ensejo a mais um conto centrado no incesto, no abuso e na tortura.

Nesse mesmo “Luto”, o exagero como recurso estético ultrapassa o caricato e implode a gravidade da narrativa. Na personagem subjugada de Maria de Betânia, entre dezenas de outros sofrimentos e indignidades narrados em detalhes, notam-se “infecções, chagas, podridão, sangue, fraturas, anemia, doenças venéreas, pústulas, dor”.

É quando a necessidade de impactar o leitor fica muito evidente, beirando uma infantilidade totalmente deslocada, que a literatura de Ampuero perde o rumo e a força.

Isso acontece porque, apesar das imagens e temas brutais que mobilizam, suas narrativas dependem em boa medida do oculto e do não dito. “Coro” e “Cloro”, os melhores contos do livro, guardam algo dessa sutileza.

Neles, como em “Crias”, o que se vê é uma autora capaz de manipular diferentes elementos para criar e manter uma atmosfera de estranheza e tensão. Em “Outra”, narrado em segunda pessoa, toda a força reside em um simples contato silencioso entre duas mulheres na fila do caixa do supermercado.

Apesar dos acertos, os contos de “Rinha de Galos” apostam num tipo de um impacto que vai sendo mais e mais amortecido na medida em que a recorrência fica clara —e que deixa entrever uma carência de recursos.

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