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Artes Cênicas

'Um Picasso' reafirma as qualidades do teatro em volta presencial ao palco

Primeira peça de porte no pós-pandemia é espetáculo em que se revela um esforço de sobrevivência diante do poder

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Um Picasso

  • Quando Qui. a sáb.: 20h. Dom.: 17h. Até 26/9
  • Onde Teatro Aliança Francesa - r. General Jardim, 182
  • Preço R$ 40 a R$ 60

Na primeira estreia de porte, pós-pandemia, o grupo Tapa e o teatro Aliança Francesa ofereceram uma segurança maior do que se vinha tendo até então, em espetáculos mais alternativos ou reestreias recentes.

Em protocolos e cuidados, foi um retorno sem riscos e atropelos ao teatro presencial. Mais importante, "Um Picasso" é um espetáculo em que as qualidades do teatro se reafirmam, se reapresentam para o público. Diálogos e atuações profissionais, e a possibilidade de baixar a guarda para a experiência, para se deixar levar pela peça.

Na imagem, uma mulher está na frente de um homem que olha para o lado. Eles vestem roupas sociais e estão em um fundo preto e de sombra
Peça 'Um Picasso', protagonizada por Sergio Mastropasqua e Clara Carvalho - Ronaldo Gurierrez/Divulgação

É prazeroso, feliz perceber a vulnerabilidade da atriz Clara Carvalho, uma vez mais. A forma como se deixa atravessar pela personagem no que tem de frágil, sendo então a sua força, da atriz. Em Sergio Mastropasqua, o vigor, a inquietude, dele e de seu personagem, vão pelo mesmo caminho.

Havia uma incompletude na atuação de ambos na estreia, uma imperfeição que em si mesma foi uma bênção. A certeza de que aquilo não passou por lapidação eletrônica, por um filtro qualquer de câmera.
E que é possível caminhar com eles, acompanhar os seus passos ao longo da apresentação nos seus momentos de auge do conflito e naqueles em que não alcançam o que buscavam, perdem o fio.

Da mesma maneira, na encenação, rever os figurinos em tom pastel, de época e precisando de ajuste, mata as saudades da insatisfação de sempre nas montagens do grupo.

Faz buscar o porquê daquilo, se é para o diretor Eduardo Tolentino de Araújo concentrar a atenção do espectador na face de Clara Carvalho, nos gestos de Mastropasqua, não em suas vestes ou calçados. Também um armário ao fundo, mas preto, que desaparece para projetar os atores.

Há uma felicidade em torno da apresentação, dos intérpretes, do público, que ultrapassa os limites do texto de Jeffrey Hatcher, que é uma peça bem-feita, com alguma discussão sobre a arte diante do fascismo.

Tem óbvia urgência para o Brasil, mas ao mesmo tempo é uma peça de construção cômico-dramática americana, com tiradas para fazer rir.

De todo modo, está um pouco refletida ali a angústia dos artistas brasileiros e até dos burocratas da arte, naquele esforço de sobrevivência diante do poder cada vez mais opressor, para tentar ressurgir quando houver chance.

Não é política, de arena pública, seus conflitos são mais individualistas, de ambos, do que da linha de frente, mas ela se mantém lá, firme. Não desperta revolta, como um desabafo de mídia social, não causa engajamento, mas mostra resistência.

Em tempo, esta é uma ficção supostamente inspirada em fatos reais, sobre um encontro de Picasso durante a ocupação alemã de Paris, na Segunda Guerra, com uma curadora e crítica que prepara a mostra de "arte degenerada" —e busca com ele "um Picasso" a ser destruído na exposição nazista.

Pergunta e resposta destacadas no programa da peça –"qual é o sentido de preservar tudo isso quando não vai sobrar ninguém para ver?".

"É que isso somos nós, e, quando terminar a guerra, vamos precisar disso novamente, para lembrar quem nós somos."

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