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'Aldir Blanc Inédito' é uma oportunidade de repassar sua ourivesaria

Novas composições reforçam apuro do cancioneiro do músico, morto pela Covid no ano passado

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Claudio Leal

Jornalista e mestre em teoria e história do cinema pela USP

Aldir Blanc Inédito

  • Quando Lançamento nesta sexta (24)
  • Onde Disponível nas principais plataformas de streaming
  • Elenco João Bosco, Maria Bethânia, Moyseis Marques, Chico Buarque, Guinga, Leila Pinheiro, Dori Caymmi, Ana de Hollanda, Joyce Moreno, Moacyr Luz, Clarisse Grova, Sueli Costa e Alexandre Nero
  • Gravadora Biscoito Fino
  • Idealização e pesquisa Mary Lúcia de Sá Freire

O cidadão brasileiro Aldir Blanc morreu aos 73 anos em maio do ano passado, vítima da Covid-19. O letrista de palavras exatas persiste no álbum “Aldir Blanc Inédito”, lançado pela Biscoito Fino, com arranjos de Cristóvão Bastos e produção musical de Jorge Helder.

A viúva do compositor, Mary Lúcia de Sá Freire, organizou os escritos inéditos levados à gravadora. No disco celebrativo, a herança poética é repartida por João Bosco, Maria Bethânia, Moyseis Marques, Chico Buarque, Guinga, Leila Pinheiro, Dori Caymmi, Ana de Hollanda, Joyce Moreno, Moacyr Luz, Clarisse Grova, Sueli Costa e Alexandre Nero.

O compositor Aldir Blanc no espelho, em sua casa, no Rio de Janeiro (RJ) - Acervo Aldir Blanc - 2012/Divulgação

Bosco, seu parceiro-irmão, abre o álbum com o samba “Agora Eu Sou Diretoria”, não aproveitado por uma campanha publicitária de cerveja. Retomada depois da morte do letrista, a música se enche de alegria no virtuosismo do violão de Bosco e do cavaco de Pretinho da Serrinha. “Tem Drummond, João Cabral/ Amo a bola dividida/ O mar e o canavial!”

Por iluminar o autor das letras, o disco é uma nova oportunidade de repassar a ourivesaria de Blanc, cujo manejo do idioma e das imagens poéticas edificou um capítulo de grandeza na história da música popular brasileira. Em 2013, o livro “Aldir Blanc: Resposta ao Tempo – Vida e Letras”, de Luiz Fernando Vianna, apresentou a dimensão desse tradutor do tempo.

Informado pela poesia moderna, Blanc dominava a linguagem dos subúrbios e dos velhos dicionários, a fala carioca da Vila Isabel e as prosódias brasileiras, os almanaques sebosos e os romances contemporâneos, as palavras de antanho e as gírias recentes. Tudo cabia nessa erudição sem chatice.

“Tá lá o corpo estendido no chão”, o verso inicial de “De Frente pro Crime” tão admirado por Dorival Caymmi, levou um lugar-comum ao verso incomum, revelando seu bom ouvido para a musicalidade insuspeitada das ruas e do futebol. Seu outro ouvido afiado o amalgamava ao projeto musical de seus parceiros. “Um percebendo o outro, e ambos cantando a nação”, define João Bosco no depoimento incorporado a “Aldir Blanc Inédito”.

Do samba ao bolero, a diversidade estilística de Blanc enfrentou o risco de desníveis e originou um cancioneiro elevado. As composições inéditas reforçam esse apuro. “Voo Cego”, sua parceria com Leandro Braga cantada por Chico Buarque, rima humor e dor. “Pombas neuróticas se ergueram em bando/ Partindo feito velas do meu cais.”

Três parcerias novas firmam Moacyr Luz como outro parceiro-chave em sua trajetória. “Palácio de Lágrimas”, composta especialmente para a voz de Maria Bethânia, pontua as cores melancólicas predominantes nas canções do álbum. “Não tem fim esse querer/ De saudade, areia e sal/ Com lágrimas ergo a você/ Um outro Taj Mahal.”

Assuntos recorrentes em sua obra são observados nas letras inéditas. Blanc relê o samba tradicional em “Outro Último Desejo” —com Clarisse Grova—, espelhada no samba-canção de Noel Rosa, e pensa a violência da escravidão em “Navio Negreiro”, de 1995, retrabalhada por Guinga para a voz de Leila Pinheiro. “Eu sou o escuro, eu durmo desperto/ Eu tinha o deserto, a lua, o poente/ Presentes de Oxalá/ E na escravidão não vou clarear.”

Dori Caymmi protagoniza o mais belo momento do disco. Em “Provavelmente em Búzios”, sua voz e violão ondulam com o piano de Cristóvão Bastos (autor da melodia)
, o baixo acústico de Jorge Helder e a bateria de Jurim Moreira. “Eu não conheço a palavra perder/ Tudo que é triste eu torno sublime/ De cada morte eu sei renascer/ A covardia é um crime”, ele canta.

Último e inusitado parceiro do letrista, o ator Alexandre Nero interpreta “Virulência”, canção também em coautoria com Antonio Saraiva. Criada para um espetáculo teatral de Nero com a obra do poeta, ela nasceu a partir de fragmentos de ideias de letra.

O fim do álbum é o fim de Blanc. “Um vírus nos virou do avesso/ Nos arremessou pra dentro/ Um tiro nos atirou por entre/ A Maré”/ “Que falta nos faz um país/ Na falta de ar,/ Um governo deserto/ Atine um mar que se ajuste ao teto.”

A canção triste acaba, mas ainda reverbera enquanto nos perguntamos se Aldir Blanc foi vítima do vírus desvairado ou de governantes insanos.

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