Corpos e prédios se chocam em obras do grupo EmpreZa que enfrentam a burocracia

No MAC, coletivo de performance de Goiás faz sua primeira individual em São Paulo com registros de duas décadas

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São Paulo

Numa das primeiras performances do Grupo EmpreZa, um corpo nu se atirava contra a parede de uma igreja em Goiás. Com o choque, ele caía. Mas insistia no ato de novo e de novo, até a exaustão completa.

"Carma Ideológico" foi repetida em instituições culturais, governamentais —prédios que sintetizam a ideia de burocracia. Agora, o trabalho norteia uma exposição de mesmo nome no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, o MAC, com o registro de quase duas décadas de atuação do coletivo.

"É quase a vitória da burocracia sobre o corpo", diz Paul Setúbal, um dos integrantes do grupo, sobre esse trabalho. "Mas é também um corpo que não deixa de ser insistente —ele está ali, se quebrando, se debatendo."

Na primeira ocasião em que o trabalho foi apresentado, ainda no começo dos anos 2000, esse corpo se debatia num estado marcado por uma "história bandeirante", contextualiza o artista. "Goiás é uma terra fundada no sangue, pelo massacre, e por uma religiosidade muito violenta."

Por aqui, não é diferente. A performance, que é apresentada na mostra por um frame de um corpo em posição quase fetal após o choque, será repetida nas colunas desse edifício próximo ao monumento às Bandeiras.

Essa é a primeira vez que o coletivo, fundado como um grupo de estudos na Universidade Federal de Goiás há 20 anos, apresenta uma exposição individual em São Paulo. Eles já colecionam, no entanto, uma série de participações em eventos na capital paulista —o grupo esteve, inclusive, na exposição de Marina Abramovic, referência da performance, no Sesc Pompeia, em 2015.

Mas, voltando à formação do grupo, ela está atrelada a um movimento de redescoberta da performance no Brasil e no mundo naquela época, lembra Paul Setúbal, integrante do grupo nos últimos dez anos. O EmpreZa, então, nasceu de uma necessidade de estudar o que se passava nas artes performáticas —e acaba se voltando para a prática mesmo.

Num dos dois trajes característicos —o empresarial, com terno, ou o com o corpo completamente nu—, feitos para diluir a ideia de indivíduo, os artistas montaram uma série de "happenings" e eventos com a pretensão de enfrentar as convicções que sustentam as grandes instituições.

O grupo planejava algumas performances agora canceladas por causa da pandemia, mas a ideia da exposição já era mostrar os registros dos atos. A seleção dessas duas décadas de atuação se baliza pelas que geraram ruídos com instituições.

É o caso das duas partes de "Toda Obra Será Perdoada", com performances que geraram ruídos em museus. Uma delas foi no próprio MAC, e está na exposição. Na impossibilidade de gravar uma performance, que seria televisionada, o grupo atravessou num televisor um prego com um quadrinho que avisa que ali deveria haver uma performance, mas que ela não aconteceu por incompatibilidade política com o museu.

Outras imagens dão contas de greves que o coletivo fez —uma no Museu de Arte do Rio, por falta de recursos para realizar o trabalho, e outra no Sesc Pompeia, em que interditaram salas por "inflexibilidade de negociação trabalhista", na definição de Setúbal.

O enfrentamento físico do grupo a essas instituições e outros eventos mais imersivos com o público, por ora, estão de lado. O recorrente "Serão Performático", por exemplo, envolve performances com um público que tem acesso a cachaça, queijos e cigarros de palha para criar um clima etéreo e mais espontâneo.

"A gente não pode ser irresponsável", diz o artista, sobre o momento da realização das performances. "Mas as pessoas estão sedentas pelo boteco, pelo encontro, pelo 'Serão', pela aglomeração, e acho que o EmpreZa é isso. Ele traz esse lugar da festa, do festejo, da festa do interior, das pessoas ficarem alteradas. Traz essa euforia, essa catarse."

Essa mostra, de certo modo, acaba sendo um retorno do grupo à sua criação, ou seja, à necessidade de voltar ao corpo, à coletividade e à experimentação. "O lugar do EmpreZa é o desse corpo inquieto. As questões são outras hoje, mas me parece muito que a coletividade nos últimos dez anos nunca esteve tão em voga e tão necessária como agora", diz Setúbal. "Voltando a um trabalho de quase 20 anos atrás, o corpo continua frágil, mas resistindo."

Carma Ideológico

  • Quando Até 12/12. Ter. a dom.: 10h às 19h
  • Onde No MAC-USP - av. Pedro Álvares Cabral, 1301, Ibirapuera, São Paulo
  • Preço Gratuito, com agendamento
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