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Novo livro de Sally Rooney, de 'Pessoas Normais', parece escrito para adolescentes

'Belo Mundo, Onde Você Está' explora melancolia dos millennials com minimalismo afetado

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Laura Erber

Escritora, editora e coordenadora do programa de pós-doutorado do Instituto Internacional de Estudos Asiáticos da Universidade de Leiden

Belo Mundo, Onde Você Está

  • Preço R$ 54,90 (352 págs.); R$ 34,90 (ebook)
  • Autoria Sally Rooney
  • Editora Companhia das Letras
  • Tradução Débora Landsberg

É difícil atravessar a leitura do novo romance de Sally Rooney sem questionar se talvez por engano ou distração acabamos por comprar um livro destinado a outra faixa etária, um romance para adolescentes, ou young adults, na terminologia do mercado editorial.

Ainda que as divisões geracionais e a própria noção de faixa etária sejam problemáticas, a infantilização dos leitores de romances é um fenômeno que pode ser pensado a partir de "Belo Mundo, Onde Você Está", terceiro romance da autora irlandesa que escreveu "Pessoas Normais", transformado em série, e que já mobiliza uma legião de fãs.

O romance explora uma espécie de melancolia dos millennials acompanhando as relações amorosas e as desventuras profissionais de quatro jovens entre os 20 e 30 anos. Rooney descreve com minúcia os microgestos corriqueiros, quase a ponto de os neurotizar, mas parece com isso buscar um efeito de densidade psicológica por trás do irrisório.

A personagem Alice, que oferece uma dimensão autoficcional, é uma jovem escritora, espécie de ícone literário e celebridade desconhecida que decide viver retirada numa pequena cidade litorânea da Irlanda depois de uma crise psíquica; Felix é o jovem subempregado que trabalha como empacotador; Eileen é a editora infeliz e amiga epistolar; e, por fim, Simon um assessor atuando em políticas públicas, porém os quatro personagens podem ser lidos como quatro alter egos da autora, todos navegando entre a juventude e um incerto porvir.

As histórias de vida avançam a contento, porém atravessadas por uma pretensão crítica que acaba por realçar as limitações do livro. As cartas trocadas entre as duas amigas, Eileen, editora numa revista literária, e Alice, a superescritora, não nos poupam da impostura da literatura contemporânea na sua pretensão de relevância, franqueza e atitude opinativa sobre o presente.

Discursos sobre desigualdade, crise climática e relógio biológico são como enxertos que, embora tratados a partir de uma perspectiva subjetiva, acabam nos distanciando dos personagens por seu caráter artificioso e forçado. As amigas, que vivem as incertezas e os desafios da passagem dos 20 aos 30 anos, na troca epistolar parecem meninas de 13 anos, e curiosamente menos articuladas do que algumas célebres ativistas mirins de nossa época.

Capa da versão em inglês do livro "Belo Mundo, Onde Você está", de Sally Rooney
Capa da versão em inglês do livro "Belo Mundo, Onde Você está", de Sally Rooney - Reprodução

A autodepreciação, inclusive das próprias reflexões, parece constituir uma tentativa de desarmar o leitor diante da previsibilidade e da monotonia dos próprios discursos que a autora elabora.

Numa carta a Eileen, depois de discorrer sobre os paradoxos do conservadorismo contemporâneo, Alice reflete “essa ideia é tão básica, que a primeira vez que pensei nela me senti genial e depois fiquei me perguntando se eu era uma idiota”. Escancarar os próprios limites, porém, não leva a uma corrosão que afetaria de fato as personagens, sua vida e sua linguagem.

Ficamos com a impressão de que o romance encontrou aí um modo esperto de explicitar suas limitações sem as encarar como questão romanesca, por vezes se rendendo ao que parece querer questionar. Talvez com isso a autora sugira que não há saída do pequeno mundo, talvez diga que as suas personagens estão para sempre presas na atmosfera do indiscreto charme da melancolia millennial.

O "belo mundo" do título talvez seja apenas o pequeno mundo banal e precariamente romântico desse grupo de pessoas que vivem a crise, a sua e a do mundo, incapazes de o reencantar, mas também incapazes de não tentar ou desejar fazer isso.

O título afinal é bastante adequado —já transpira o desencanto impostado e o desejo de transformar em literatura o engajamento crítico que sua geração dissemina nas redes sociais. E assim caminhamos em círculos no labirinto de uma espécie de nostalgia do futuro, num tipo de romance que curiosamente explicita sua própria imaturidade.

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