É difícil atravessar a leitura do novo romance de Sally Rooney sem questionar se talvez por engano ou distração acabamos por comprar um livro destinado a outra faixa etária, um romance para adolescentes, ou young adults, na terminologia do mercado editorial.
Ainda que as divisões geracionais e a própria noção de faixa etária sejam problemáticas, a infantilização dos leitores de romances é um fenômeno que pode ser pensado a partir de "Belo Mundo, Onde Você Está", terceiro romance da autora irlandesa que escreveu "Pessoas Normais", transformado em série, e que já mobiliza uma legião de fãs.
O romance explora uma espécie de melancolia dos millennials acompanhando as relações amorosas e as desventuras profissionais de quatro jovens entre os 20 e 30 anos. Rooney descreve com minúcia os microgestos corriqueiros, quase a ponto de os neurotizar, mas parece com isso buscar um efeito de densidade psicológica por trás do irrisório.
As histórias de vida avançam a contento, porém atravessadas por uma pretensão crítica que acaba por realçar as limitações do livro. As cartas trocadas entre as duas amigas, Eileen, editora numa revista literária, e Alice, a superescritora, não nos poupam da impostura da literatura contemporânea na sua pretensão de relevância, franqueza e atitude opinativa sobre o presente.
Discursos sobre desigualdade, crise climática e relógio biológico são como enxertos que, embora tratados a partir de uma perspectiva subjetiva, acabam nos distanciando dos personagens por seu caráter artificioso e forçado. As amigas, que vivem as incertezas e os desafios da passagem dos 20 aos 30 anos, na troca epistolar parecem meninas de 13 anos, e curiosamente menos articuladas do que algumas célebres ativistas mirins de nossa época.
A autodepreciação, inclusive das próprias reflexões, parece constituir uma tentativa de desarmar o leitor diante da previsibilidade e da monotonia dos próprios discursos que a autora elabora.
Numa carta a Eileen, depois de discorrer sobre os paradoxos do conservadorismo contemporâneo, Alice reflete “essa ideia é tão básica, que a primeira vez que pensei nela me senti genial e depois fiquei me perguntando se eu era uma idiota”. Escancarar os próprios limites, porém, não leva a uma corrosão que afetaria de fato as personagens, sua vida e sua linguagem.
Ficamos com a impressão de que o romance encontrou aí um modo esperto de explicitar suas limitações sem as encarar como questão romanesca, por vezes se rendendo ao que parece querer questionar. Talvez com isso a autora sugira que não há saída do pequeno mundo, talvez diga que as suas personagens estão para sempre presas na atmosfera do indiscreto charme da melancolia millennial.
O "belo mundo" do título talvez seja apenas o pequeno mundo banal e precariamente romântico desse grupo de pessoas que vivem a crise, a sua e a do mundo, incapazes de o reencantar, mas também incapazes de não tentar ou desejar fazer isso.
O título afinal é bastante adequado —já transpira o desencanto impostado e o desejo de transformar em literatura o engajamento crítico que sua geração dissemina nas redes sociais. E assim caminhamos em círculos no labirinto de uma espécie de nostalgia do futuro, num tipo de romance que curiosamente explicita sua própria imaturidade.
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