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'O Homem da Forca', de Shirley Jackson, lembra um filme de David Lynch

Narrativa opera entre o real e a fantasia ao mostrar o terror que está na cabeça da protagonista

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O Homem da Forca

  • Preço R$ 64,90 (224 págs.); R$ 39,90 (ebook)
  • Autoria Shirley Jackson
  • Editora Alfaguara
  • Tradução Débora Landsberg

Em “O Homem da Forca”, tudo é muito real, mas pode não ser. Parece um filme de David Lynch.

Natalie Waite, a protagonista de 17 anos, está conversando com o pai sobre literatura ou sendo interrogada por um detetive a respeito de um assassinato do qual ela é suspeita? A garota está na cozinha ajudando a mãe a preparar a salada ou numa expedição arqueológica do futuro?

“Àquela altura, é claro, Natalie ponderou com satisfação, sua vida já teria acabado. Não haveria mais medos para Natalie, não há possibilidade de tomar o caminho errado quando não se passa de um crânio nas mãos de um estranho."

No segundo romance de Shirley Jackson, o terror está na cabeça da personagem, o medo é de natureza íntima, cada ser vivo projeta um fantasma, as assombrações se insinuam como fatos corriqueiros, as visões são palpáveis, a amiga imaginária a convence a passear no bosque.

A realidade é um pesadelo imprevisível. E irresistível para quem quer romper as amarras da segurança familiar.

mulher branca de cabelos presos e óculos
A escritora americana Shirley Jackson, autora de livros de terror e suspense como 'O Homem da Forca' e 'Sempre Vivemos no Castelo' - Divulgação

Com sua obra reavaliada e levada às alturas por nomes como Stephen King, Neil Gaiman e Joyce Carol Oates, Shirley Jackson —que desfrutou de certa popularidade nas décadas de 1950 e 1960 até morrer, aos 48 anos, e entrar no limbo— hoje é modíssima. Para delícia dos novos fãs, acaba de sair nos Estados Unidos, pela Random House, “The Letters of Shirley Jackson”, com quase 700 páginas.

Seus livros mais conhecidos ganharam traduções recentes no Brasil —"Sempre Vivemos no Castelo” e “A Assombração da Casa da Colina”, ambos pelo selo Suma. Este último, um clássico do romance de terror, virou série exibida na Netflix, “A Maldição da Residência Hill” –aliás, uma adaptação bem inferior ao filme de Robert Wise, “Desafio do Além”, de 1963, com Claire Bloom, e mesmo ao de Jan de Bont, “A Casa Amaldiçoada”, de 1999, com Liam Neeson e Catherine Zeta-Jones.

Com tanta badalação, ela ganhou no ano passado uma cinebiografia, “Shirley”, com Elisabeth Moss como a personagem-título —a julgar por algumas fotografias, a atriz ficou igualzinha à autora de “O Homem da Forca”. O livro estava sendo escrito à época da ação do filme e se baseia num fato real, o desaparecimento de uma estudante jamais esclarecido.

Ao entrar na universidade, Natalie Waite finalmente ficará longe da hostilidade dos pais. O que significa dizer que ficará mais presa à sua imaginação, capaz de transformar todos que encontra no campus em personagens grotescos.

Ou então eles são mesmo grotescos. O leitor nunca sabe, mas confia em Natalie, que concentra todas as atenções da narrativa em terceira pessoa, à exceção de alguns fragmentos de cartas e diários.

É curioso que a obra tenha sido publicada em 1951, mesmo ano em que apareceu outro romance cujo protagonista é um adolescente. J. D. Salinger chegou a frequentar a casa de Shirley Jackson –que era casada com um crítico e professor de literatura–, mas não há notícia de que tenham trocado figurinhas sobre “O Apanhador no Campo de Centeio” e “O Homem da Forca”.

Os autores têm concepções de estilo distintas. Shirley Jackson é elíptica, passando longe da “espontaneidade” de Salinger. Em comum nos dois livros, a revolta contra uma sociedade obsoleta e protocolar. É como se, pela primeira vez, os teens conquistassem o poder da palavra, sem saber que logo depois o perderiam para a indústria cultural.

A editora Alfaguara, que lança agora o romance, poderia aproveitar a onda e também publicar uma antologia de seus contos. Shirley Jackson tem pelo menos umas dez obras-primas no formato curto, entre as quais “A Loteria”, a famosa história de linchamento que é leitura obrigatória em escolas americanas e inspirou um episódio da série “O Conto da Aia".

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