'Piroca verde e amarela' do 7 de Setembro é gigante pela própria natureza, diz autor

Falo inflável não se tratava de um pênis disfarçado de míssil, mas justamente o contrário, afirma membro de coletivo

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Belo Horizonte

Com tanta gente olhando, era difícil para o rapaz manter o membro totalmente ereto. Na verdade, a murchidão acabou sendo um importante elemento, um charme até, daquele falo exposto no meio da avenida.

O tamanho do troço, assim como as cores que o ornavam da cabeça à base, chamou atenção de quem o fitava, presencial ou virtualmente.

Na recente manifestação de Sete de setembro na avenida Paulista, a peça fálica inflável verde e amarela de cinco metros de altura, posta em cima de um carrinho de supermercado, cambaleou por entre os transeuntes bolsonaristas que vestiam a mesma paleta de cores.

Estrutura falica inflável durante atos na paulista, no 7 de setembro
Estrutura fálica inflável durante atos na Paulista, no 7 de Setembro - Divulgação

A tal obra, que chegou a ocupar manchetes e artigos de opinião, foi alvo de análise e riso, e interpretações não faltaram. Sem saber como dar nome àquilo, o público variou entre termos como "jeba gigante patriótica" ou "piroca verde e amarela", sendo que este último acabou ganhando mais adesão.

Num dia em que Fabrício Queiroz foi tietado por fãs e em que o Jamiroquai —viking?— do Capitólio ganhou uma versão brasileira de menor orçamento e impacto, um pênis inflável listrado gigantesco na Paulista pareceu coerente para muitos.

Nas redes sociais, apesar de frases-commodity soltas como "masculinidade frágil", "falocentrismo branco e burguês", "será que Freud explica?" ou "agentes infiltrados", logo se chegou ao consenso de que era um falo irônico.

"É que parece ter havido um mal-entendido. Não se tratava de uma 'piroca' disfarçada de míssil, mas justamente o contrário, um míssil travestido de falo", conta o rapaz que desfilou com o falo à mostra na avenida.

Na base da bomba estava gravado “braço forte, mão amiga”, lema do Exército Brasileiro já há muito exaustivamente transformado em piada homoerótica.

Este repórter conversou com um dos responsáveis pela peça inflável, que comprovou a autoria com fotos e vídeos do momento da confecção da peça fálica e de sua exposição ao público, mas preferiu se manter no anonimato.

"Nos inspiramos na bomba de hidrogênio soviética Tsar AN602, que, curiosamente, tem as mesmas proporções de diâmetro e comprimento que um pênis médio adulto", afirma o autor, quando a reportagem pergunta sobre referências. Na verdade, um estudo de 2014 feito por pesquisadores do Reino Unido apontou que o comprimento médio do pênis humano adulto, quando ereto, é de 13,12 centímetros, sendo que o diâmetro é de 3,71 centímetros. A bomba Tsar media 8 metros por 2,1 metros, o que a torna mais fina e longa, proporcionalmente.

Segundo o autor da falsa bomba fálica inflável, "mais ou menos meia dúzia de pessoas se envolveram no processo", alguns jovens, outros nem tanto, alguns artistas, outros não. Apesar dos rumores, eles não se consideram um coletivo de artistas.

"Temos um perfil variado, entre artista, professor, cientista e motoboy", ele afirma. "No fundo, não importa quem somos. Essa imagem não tem dono, ela é do povo brasileiro, gigante pela própria natureza", afirma o rapaz, que se empenha em transformar a entrevista numa performance.

"Usamos lona plástica, um gerador, três ventiladores e muito durex. O carrinho foi doação do dono do supermercado", conta. Agora, esvaziada, ela está embaixo da mesa de jantar, diz o rapaz.

Qualquer brasileiro sabe que não se trata da primeira peça inflável que faz sucesso em manifestações na história recente. Somos o país do pato da Fiesp, dos pixulecos e de suas variantes.

As genitálias enormes também não são novidade por aqui. Basta lembrar da vulva gigante fincada no interior de Pernambuco, obra da artista Juliana Notari. A escultura, de nome "Diva", é vermelha, ao contrário do pênis da Paulista, além de ser bem maior do que ele —33 metros de comprimento, 16 de largura e seis de profundidade.

Falsos artefatos bélicos coloridos com tonalidades políticas também já foram explorados por artistas anteriormente no Brasil. Paulinho Fluxus, por exemplo, que também pilotava um carrinho de supermercado, emulou canhões e metralhadoras pintados de rosa choque em 2013.

A performance no Brasil cutuca moralismos desde o início do século passado, pelo menos. O artista Flávio Carvalho criou aquela que ficou conhecida como a primeira performance no país, a “Experiência nº 2”, de 1931. Nela, o artista usou um boné no meio de uma procissão de Corpus Christi para pesquisar "a capacidade agressiva das massas religiosas". Recebeu uma amostra empírica ao ser obrigado a fugir da multidão irada.

O autor do falo de lona verde e amarela de 2021 prefere não se comparar com os pixulecos. “Não dá para traçar paralelos tão diretos, afinal, rato é rato, pato é pato, Lula é Lula, e bomba é bomba.” Já com a vulva de Notari, diz ver sintonia. “Em certo sentido, as obras se encaixam.”

Ele diz que presenciou três tipos de reação no local. “A grande maioria olhou para o nosso artefato e ficou em dúvida sobre esse estranho familiar. Pareciam se perguntar, ‘será que é isso mesmo?’”, diz. Um segundo grupo “se divertiu, mas sem tocar”. “O terceiro, uma minoria convicta do que via, combateu a imagem obscena nos forçando a bater em retirada e pondo fim ao nosso cortejo.”

O representante do grupo diz que eles não se consideram anti-Bolsonaro. “Entendemos que, assim como não importa quem somos, não importa muito nossa posição política pessoal. Talvez o mais interessante seja pensar nas reações a imagem que nos propusemos a fazer do que a nós mesmos”, diz.

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