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'Sul da Fronteira, Oeste do Sol' traz Murakami igual, mas diferente

Leitores do escritor japonês se surpreenderão com protagonista para quem amor tem sentido menos espiritual e mais carnal

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Lica Hashimoto

Professora do Departamento de Letras Orientais da Universidade de São Paulo e pesquisadora do Centro de Estudos Japoneses da universidade

O leitor das obras do escritor japonês Haruki Murakami certamente está familiarizado com o tema dos encontros e desencontros. Não será surpresa, assim, ler uma história dele centrada e conduzida pelo protagonista em tom introspectivo, memorialista e confessional. Um protagonista de vida simples, modesta, sem grandes ambições, que passaria despercebido na sociedade.

Igualmente, não será novidade encontrar referências musicais nessas obras, do clássico ao jazz, incluindo canções de Nat King Cole e Bing Crosby e até "Corcovado", de Antônio Carlos Jobim.

O leitor de Murakami também está habituado a encontrar referências intertextuais que estabelecem um diálogo singular com a narrativa. Extensão que pode ser um documentário, como "O Drama do Deserto", de 1953, ou clássicos do cinema como "Casablanca", de 1942, e "Lawrence da Arábia", de 1962.

Mas, de modo distinto de seus romances iniciais, o romance "Sul da Fronteira, Oeste do Sol", de 1992, conta a história de Hajime, um homem que decide largar o emprego de editor de material didático que o deixava infeliz e, munido de determinação e responsabilidade, dá uma guinada em sua história, abandonando uma vida de classe média, propensa a ser medíocre e limitada.

Aos 37 anos, casado, pai de duas filhas, proprietário de apartamento de alto padrão de quatro dormitórios, casa de veraneio, carros importados, Hajime é dono de dois bares rentáveis e de sucesso que, graças ao incentivo e à ajuda financeira do sogro –capitalista do ramo imobiliário e investidor no mercado de ações–, conseguiu realizar seus sonhos.

Por fim, compõem o seu estilo de vida usar roupas Armani e, nesse ponto, as referências de grifes relacionadas às pessoas abastadas e de sucesso devem soar familiares aos leitores de Murakami.

As experiências amorosas de Hajime, narradas em 15 capítulos, seguem uma linearidade cronológica dedicada ao registro dos fatos ocorridos entre os seus 12 e 37 anos de idade.

Essa linearidade é suspensa apenas nos capítulos seis e 15, quando se põe em evidência os limites que há entre a memória recuperada e a criativa imaginação de Hajime, nascido em 4 de janeiro de 1951 —ele pertence à geração do pós-Guerra que se beneficiou com o crescimento econômico e a especulação financeira e enfrentou o auge da crise econômica que atingiu o Japão na década de 1990, depois de 40 anos como a segunda maior economia do mundo.

Hajime reencontra Shimamoto, uma amiga dos tempos do primário, após 20 anos, e isso desperta nele uma gama de sentimentos complexos e emoções adormecidas. Ela é uma mulher bela, elegante, misteriosa e, do pouco que é revelado dela, sabemos que possui uma situação financeira confortável, pois se submeteu a um procedimento cirúrgico que corrigiu uma sequela da poliomielite que a fazia mancar desde pequena.

Embalados pelas músicas nostálgicas e a atmosfera mítica do bar, eles são conduzidos para a dimensão de um entre-lugar onde as recordações felizes de quando estiveram juntos são revividas. A tendência a romantizar o passado, alimentado pelo desejo de saber o que teria acontecido, ou se agora aconteceria o mesmo, faz com que Hajime tenha a coragem de enfrentar o seu eu do passado e refletir sobre os seus vários relacionamentos.

Por fim, o leitor de Murakami vai se surpreender com Hajime, pois, diferente dos protagonistas de "Dance, Dance, Dance", de 1988, e "Crônicas do Pássaro de Cordas", de 1994, que defendem o sentimento de amor para além da união dos corpos e com um envolvimento maior e mais profundo, em "Sul da Fronteira, Oeste do Sol", o protagonista toma a iniciativa de persuadir, seduzir a mulher e se deixar levar pelo desejo, pela paixão, pelo tesão e pelo prazer.

Sul da Fronteira, Oeste do Sol

  • Preço R$ 54,90 (176 págs.); R$ 37,90 (ebook)
  • Editora Alfaguara
  • Tradução Rita Kohl
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