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Vencedora do Jabuti retrata distopia atual em 'A Extinção das Abelhas'

Livro de Natália Borges Polesso se vale do noticiário para compor cenário de colapso social, econômico e ambiental

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Luisa Destri

A Extinção das Abelhas

  • Preço R$ 69,90 (312 págs.); R$ 39,90 (ebook)
  • Autoria Natalia Borges Polesso
  • Editora Companhia das Letras

"A Extinção das Abelhas", de Natália Borges Polesso, é, por ao menos três razões, uma síntese contundente de nosso tempo.

Em primeiro lugar porque a distopia criada no romance parte de problemas facilmente reconhecíveis na realidade brasileira. Regina, a protagonista, não tem qualquer horizonte profissional, apesar de, aos 40 anos, acumular alguma experiência e um mestrado em teoria literária.

Na primeira parte do romance, quando decide se tornar profissional do sexo online, ela vive no sul do país uma rotina marcada por bloqueios, segregação, crises de abastecimento, violência.

capa de livro
'A Extinção das Abelhas', segundo romance da ganhadora do prêmio Jabuti Natalia Borges Polesso, publicado pela Companhia das Letras - Reprodução

Tudo o que acontece às personagens parece consequência direta de elementos hoje cotidianos ou anunciados. Há entre as pessoas um “ressentimento silencioso” desde as “eleições catastróficas”; os condomínios que asseguram privilégios se multiplicam; o presidente é um “apresentador de televisão” que, segundo a catadora Norma, “vai ajudar todo mundo a empreender”; as multas embutidas na conta de luz se multiplicam, o novo coronavírus ainda circula porque há quem recuse a vacinação.

“A pandemia de 2020 ensinou os meios”, anuncia a segunda parte, explicitando o nexo ao expor como as restrições sanitárias foram criando oportunidades para políticas de sanções, exclusão e extermínio. O cenário é imaginado a partir de informações factuais, transcritas em textos breves, evidenciando assim um segundo aspecto da síntese realizada pelo romance.

Descobertas recentes da ciência, como a do primeiro animal que não precisa de oxigênio —Henneguya salminicola—, e eventos como o escurecimento do céu de São Paulo na tarde de 19 de agosto de 2019 se tornam anúncios desse futuro recente tomado pela catástrofe —cuja instalação, na trama, pode ser acompanhada pelo Colapsômetro, aplicativo criado para que a população se entretenha com os dados da tragédia ambiental e social.

Nesse cenário em que a resistência não parece possível, são as relações entre mulheres que criam espaço para a solidariedade. À medida que se abre para a outra, Regina se torna cada vez mais capaz de buscar novas formas de vida.

Primeiro, a tentativa de acolher Norma, que termina em culpa e luto por inconsciência e inconsequência da protagonista; depois, o desejo de compreender e perdoar Lupe, a mãe, que faz da maternidade e das expectativas nela depositadas um dos eixos do romance; por fim, os encontros que, na terceira parte, talvez representem uma possibilidade de futuro.

Neste momento em que a literatura se afirma como campo privilegiado da pauta feminista e dos debates identitários, a “mulher de 40 anos” —crítica da dominação masculina e descrita como “uma mutação que ninguém foi capaz de prever”— é outro dos fortes elos do romance com o presente. Vencedora do Jabuti em 2016 com "Amora", contos em torno de personagens lésbicas, Borges Polesso parece encontrar no novo livro uma forma mais madura e complexa de problematizar o tema.

Ainda que perca força, às vezes, ao tentar se explicar demais ao leitor, carregando na transparência, a narrativa impressiona pela capacidade de restituir à totalidade o que vivemos de forma diluída, nos esforçando para ignorar a gravidade do cenário.

O estupro de lésbicas, a perseguição e a intolerância e os crimes de ódio integram, em "A Extinção das Abelhas", o colapso almejado pela sociedade patriarcal baseada no consumo —distopia de muitos e utopia dos poucos que vêm mostrando, no Brasil, suas faces mais perversas.

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