Zé Kéti, sambista que foi a voz do morro, tem centenário celebrado com show e site

Nascido no Rio de Janeiro e morto em 1999, músico foi autor de clássicos como 'Opinião', 'Diz que Fui por Aí' e 'Acender as Velas'

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Guilherme Bryan
São Paulo

"Zé Kéti fez com que o samba das comunidades e morros da zona norte conversasse com as outras artes. Foi a consagração do samba enquanto uma música de origem negra e menos privilegiada na época. Ele tinha a visão de que algo precisava ser feito, para além de os compositores ficarem ligados às escolas de samba de origem. Era preciso que as outras correntes artísticas valorizassem o samba e que as rádios, então tomadas pela música estrangeira, o tocassem", diz a filha Geisa Kétti a respeito do pai José Flores de Jesus, mais conhecido como Zé Kéti.

Nascido no Rio de Janeiro, em 16 de setembro de 1921, e morto na mesma cidade, em 14 de novembro de 1999, Zé Kéti foi o autor de clássicos como “Opinião”, “Diz que Fui por Aí”, “Acender as Velas”, “Máscara Negra”, “Malvadeza Durão” e “Mascarada”.

Para celebrar o centenário dele, Geisa prepara o site zekettivive.com.br e realizará, em 2 de outubro, no teatro Rival, no Rio de Janeiro, um show com os familiares do compositor.

“Ele não tinha dimensão do que representou para a música brasileira e sofreu muitas críticas. O pessoal do morro, principalmente, dizia que ele tinha embranquecido e que estava tirando chapéu para branco da zona sul, e ele não achava isso. As canções dele continuaram falando de amor, boemia, cotidiano de pessoas empobrecidas e desigualdades sociais”, lembra a viúva Neli Maria.

Filho de marinheiro e tocador de cavaquinho, Zé Kéti trabalhava como peixeiro no centro do Rio de Janeiro. Foi nessa época que Monarco, um dos grandes nomes da ala de compositores da Portela, o conheceu. “Ele apareceu na Portela num domingo, levado por Antonio Escurinho. A gente sempre pegava o trem ouvindo e cantando sambas. Naquela época, ele tinha muita coisa guardada no baú e voltava para o subúrbio triste, porque não conseguia gravar”, conta Monarco, que compôs, com ele, “Tarde Demais”.

Monarco foi um dos primeiros a ouvir a canção “A Voz do Morro”, que foi gravada por João Goulart e fez sucesso no Carnaval, esteve na abertura do programa “Noite de Gala”, da TV Globo, e fez parte do filme “Rio, 40 Graus”, dirigido por Nelson Pereira dos Santos. Os dois trabalharam também em “Rio Zona Norte”, de 1957.

“Este filme, que conta a vida de um compositor e cantor de sambas —interpretado por Grande Otelo—, é uma homenagem a Zé Keti. Nelson voltou a ele em 2003 com o curta ‘Meu Compadre Zé Keti’. É um filme que mostra a admiração e carinho que Kéti inspirou entre músicos e cantores que tocam e cantam seus sambas na tela”, diz Darlene J. Sadlier, autora da biografa “Nelson Pereira dos Santos”.

A Voz do Morro foi também o nome de um conjunto integrado por, entre outros, Elton Medeiros e Paulinho da Viola, que conheceu Zé Kéti na casa noturna Zicartola, de Cartola e Dona Zica, e ganhou dele e do jornalista Sérgio Cabral o nome artístico em substituição ao de batismo, Paulo César. “Eu trabalhava no banco e tocava violão como amador, quando ele foi convidado a deixar músicas na gravadora Musidisc e levou a gente. O produtor musical Luís Bittencourt gostou muito e sugeriu gravarmos um disco”, conta Paulinho da Viola. O conjunto gravou três volumes de “Roda de Samba”, com grande repercussão.

Nessa época, Zé Kéti conheceu Carlos Lyra, compositor e músico associado à bossa nova e diretor da UNE, a União Nacional dos Estudantes. Os dois compuseram “Samba da Ilegalidade”.

“O Zé era doce, supercriativo, e me assombrava com sua capacidade harmônica, sem ter nunca estudado música ou tocado um instrumento. Gravei todas as músicas dele e me veio a ideia de fazer um disco comigo cantando e harmonizando todas. Depois, pensei melhor e achei que uma moça de classe média, que morava de frente para a praia, cantando compositores do morro, iria dar um pé danado”, conta Lyra.

A tal moça era Nara Leão, que gravou a canção “Diz que Fui por Aí”, em seu primeiro álbum solo, “Nara”, de 1964. Mais de 40 anos depois, em 2007, a cantora Fernanda Takai regravaria essa música num álbum-tributo a Leão, chamado “Onde Brilham os Seus Olhos”.

“Eu queria pôr uma canção do primeiro disco dela, que justamente trouxe a surpresa do repertório de sambistas e autores diferentes do universo da bossa nova, que ela já tinha cantado. E as canções de Zé Kéti têm sempre uma melancolia, mas, ao mesmo tempo, uma esperança em celebrar a vida num país tão desigual”, afirma Takai.

Nara Leão e Zé Kéti, junto com João do Vale, estrelariam o show “Opinião”, em 1964, que é considerado um dos primeiros trabalhos artísticos em oposição ao regime militar, para o qual ele compôs “O Favelado”, “Nega Dita” e o samba-título, que inspirou os nomes de um jornal, um teatro, um grupo que encenou a peça e o segundo álbum de Leão.

Zé Kéti foi também um batalhador pela defesa dos direitos autorais dos compositores, como aponta Aida Marques, que, desde 2018, prepara um documentário a respeito dele, a ser lançado em 2022. “Ele era um empreendedor nato e, como compositor, fazia crônicas do Rio e falava em nome de muitas camadas de pessoas do morro. Foi o que fez na música e na vida”, ela diz.

“Além de criar sambas imortalizados por Jamelão, Elis Regina e Linda Baptista, entre outros, Zé Kéti está no mesmo time de Cartola, Nelson Cavaquinho e Elton Medeiros, compositores de construções melódicas refinadíssimas, criadores de um estilo que sobrevive por meio de seu maior herdeiro, Paulinho da Viola”, diz o cantor e compositor Zé Renato. Ele é um dos artistas que participam dos shows dedicados a Zé Kéti, nas quatro sedes do Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro, em São Paulo, Brasília e Belo Horizonte.

100 anos: Zé Ketti vive!

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