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Coleção Folha traz livro de bell hooks que dialoga com pensamento de Paulo Freire

'Ensinando a Transgredir' é uma autobiografia intelectual da pensadora americana

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São Paulo

A autora é americana, mas o livro tem muito a ver com o pensamento crítico brasileiro. Terceiro volume da Coleção Folha Os Pensadores, "Ensinando a Transgredir: A Educação como Prática da Liberdade", de 1994, com tradução de Marcelo Brandão Cipolla, não é uma obra conceitual, mas uma autobiografia intelectual de bell hooks, em diálogo combativo com as ideias do educador pernambucano Paulo Freire.

Nascida em 1952, em Hopkinsville, cidade rural do estado de Kentucky, no sul dos Estados Unidos, a negra Gloria Jean Watkins adotou seu pseudônimo (com inciais em minúsculas) em homenagem à bisavó, Bell Blair Hooks. Premiada autora de mais de 30 livros, abordando raça, classe, gênero, arte, história, sexualidade, meios de comunicação de massa e feminismo, ela parte, em "Ensinando a Transgredir: A Educação como Prática da Liberdade", de sua experiência pessoal.

mulher negra
A escritora e ativista americana bell hooks, autora de 'Ensinando a Transgredir', terceiro volume da Coleção Folha Os Pensadores - Reprodução

Logo na introdução do livro, ela conta como o "êxtase" de ser aluna de uma escola negra se transfigurou com a integração racial. "Levados de ônibus a escolas de brancos, logo aprendemos que o que se esperava de nós era a obediência, não o desejo ardente de aprender. A excessiva ânsia de aprender era facilmente entendida como uma ameaça à autoridade branca."

O resultado? "De repente, passamos a ter aula com professores brancos cujas lições reforçavam os estereótipos racistas. Para as crianças negras, a educação já não tinha a ver com a prática da liberdade. Quando percebi isso, perdi o gosto pela escola. A sala de aula já não era um lugar de prazer ou de êxtase. A escola ainda era um ambiente político, pois éramos obrigados a enfrentar a todo momento os pressupostos racistas dos brancos, de que éramos geneticamente inferiores, menos capacitados que os colegas, até incapazes de aprender."

Em sua busca por reagir ao "tédio e apatia" que enfrentava nas aulas, ela reconhece duas influências fundamentais. "Paulo Freire e o monge budista vietnamita Thich Nhat Hanh são dois 'professores' cuja obra me tocou profundamente. Quando entrei na faculdade, o pensamento de Freire me deu o apoio de que eu precisava para desafiar o sistema da 'educação bancária', a abordagem baseada na noção de que tudo o que os alunos precisam fazer é consumir a informação dada por um professor e ser capazes de memorizá-la e armazená-la."

Ela afirma que o asiático, em sua obra, "sempre compara o professor a um médico ou curador". "Sua abordagem, como a de Freire, pede que os alunos sejam participantes ativos, liguem a consciência à prática. Enquanto Freire se ocupa sobretudo da mente, Thich Nhat Hanh apresenta uma maneira de pensar sobre a pedagogia que põe em evidência a integridade, uma união de mente, corpo e espírito."

Mas o pernambucano acaba aparecendo com maior destaque. Já a epígrafe do livro é dele. "Ser capaz de recomeçar sempre, de fazer, de reconstruir, de não se entregar, de recusar burocratizar-se mentalmente, de entender e de viver a vida como processo, como vir a ser."

E o quarto capítulo da obra se chama "Paulo Freire". É um diálogo entre Gloria Watkins e sua voz de escritora, bell hooks, refletindo sobre o legado do pensador. Embora o tom geral seja de reconhecimento carinhoso, há também críticas à linguagem sexista do autor.

"O sexismo de Freire é indicado pela linguagem de suas primeiras obras, apesar de tantas coisas continuarem libertadoras. Não é preciso pedir desculpas pelo sexismo. O próprio modelo de pedagogia crítica de Freire acolhe o questionamento crítico dessa falha na obra", ela diz. Porém, enfatiza que "questionamento crítico não é o mesmo que rejeição".

Hooks assinala que "é o pensamento feminista que me dá força para fazer a crítica construtiva da obra de Freire" e faz questão de observar que encontrou "Freire quando estava sedenta, morrendo de sede (com aquela sede, aquela carência do sujeito colonizado, marginalizado, que ainda não tem certeza de como se libertar da prisão do status quo) e encontrei na obra dele (e na de Malcolm X, de Fanon etc.) um jeito de matar essa sede". "Encontrar uma obra que promove a nossa libertação é uma dádiva tão poderosa que, se a dádiva tem uma falha, isso não importa muito."

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