O caminho da literatura russa no Brasil é pavimentado de coletâneas –contos, poemas, textos humorísticos e críticos. Narrativas para crianças e jovens já haviam aparecido de forma esporádica e avulsa, mas faltava o esforço de selecionar, organizar e unir em um único volume.
A editora Kalinka supre essa significativa lacuna com o lançamento de “Contos Russos Juvenis”, que chega num momento em que o mercado editorial brasileiro tem ampliado suas publicações para além dos pilares tradicionais dessa literatura, Tolstói e Dostoiévski —este, aliás, nem sequer integra a seleção, algo inédito em coletâneas brasileiras de prosa russa.
O volume, fruto da pesquisa de pós-doutorado que Daniela Mountian desenvolve, traz ainda um elucidativo prefácio no qual a pesquisadora analisa a história da literatura para jovens e crianças e como esse gênero recebeu atenção dos grandes autores e críticos russos. Para estes, era importante formar desde a infância o senso estético e o olhar atento, desafio presente ainda hoje nas salas de aula da Rússia até o Brasil.
Um destaque da seleção é o “Conto do Tsarévitche Cloro”, escrito por ninguém menos que Catarina 2ª, tsarina da dinastia Románov que comandou a Rússia de 1762 a 1796. Conhecida por ser uma déspota esclarecida e amiga dos iluministas franceses, Catarina foi grande fomentadora das artes e do estudo entre as mulheres no Império Russo.
Turguêniev aparece com “Mumu”, leitura clássica de todo estudante russo, e não à toa. O autor está entre aqueles que se dedicou a entender as questões sociais pulsantes na Rússia do século 19 para transformar tudo em literatura de alta qualidade.
Além dele, estão presentes Tchekhov, que preferia não diferenciar textos para adultos e para crianças, e Tolstói, pesquisador da área da educação e professor atuante na escola libertária que fundou em sua propriedade. O autor de “Guerra e Paz” também escreveu livros adotados em escolas em toda a Rússia.
Figuram ainda Nikolai Leskóv, Aleksándr Kuprin e o simbolista Fiódor Sologub –autores já traduzidos e representantes da literatura da virada do século 19 para o 20.
Na vocação já conhecida da editora de trazer nomes inéditos por aqui, há Sacha Tchorny, poeta satirista do século 20 autor do conto fantástico “A Pedrinha Vermelha”; Lídia Avólova, que evoca o primeiro dilema ético de Gricha em “Primeira Mágoa”; e Lídia Tchárskaia, best-seller do início dos anos 1900 condenada ao ostracismo no período soviético. Ela é representada por dois contos –“A Prova”, de 1907, em que uma jovem estudante luta para decorar pontos da disciplina que considera a mais chata de todas, geografia; e “A Mãe”, de 1912, que narra o cotidiano de uma viúva enquanto luta para sustentar os três filhos.
Com sensibilidade que nos remete aos melhores momentos da literatura russa, Tchárskaia emociona em sua breve narrativa, ao revelar que o mundo das crianças e o dos adultos —como também pensava Tchekhov— não são distantes. E, por isso, atraem e intrigam os mais novos e os mais velhos.
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