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Moda

Desfiles pós-Covid em Paris trazem de volta sexo e frivolidades

Moda retorna aos excessos e à ostentação nas apresentações presenciais, mas menos pompa ainda é de bom tom

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Erika Palomino

Na chuvosa noite de terça-feira, nesta semana em Paris, a primeira temporada de desfiles presenciais depois do advento do novo coronavírus se encaminhava para o final, quando uma ativista adentra a passarela da Louis Vuitton mostrando uma faixa em que se lia, em inglês "consumo em excesso = extinção".

A manifestação veio assinada pelo grupo Extinction Rebellion, que na internet se define como um movimento internacional descentralizado que usa a ação direta não violenta para pressionar os governos a responder de forma justa à emergência climática e ecológica. Retirada da sala de desfiles, seguiu o baile. Literalmente, uma vez que o estilista da Vuitton, o francês Nicolas Ghesquière, batizou sua coleção "Baile do Tempo", misturando cinco séculos num mesmo lookinho de luxo, bem a seu estilo.

Em muito, a ação lembrava quando ativistas invadiam bravamente as temporadas de Paris nos anos 1990 jogando tinta em editoras que vestiam casacos de pele, ou se infiltrando aos berros entre uma modelo e outra na passarela, para tédio absoluto dos habitantes das primeiras filas.

Levou de lá até o mês passado, quando um dos mais importantes e influentes conglomerados de moda do mundo, o grupo Kering, dono de Balenciaga, Bottega Veneta, Saint Laurent e Alexander McQueen, anunciou a decisão de suspender (pro-gres-si-va-men-te) o uso de peles de animais em todas as suas marcas.

Em peles animais leiamos raposas, coelhos, chinchilas, não couro de vacas e outros bichos, de cobras, lagartos e jacarés (que alimentam sobretudo a valiosa indústria de calçados e bolsas). Por aí já dá para avaliar a velocidade das reais transformações na moda, ironicamente uma indústria construída sobre a ideia do novo e da mudança.

A pressão e a problematização em tudo, sabidamente, agora vêm da internet, de jovens que se preocupam com a procedência do que consomem. Não são exatamente essas pessoas o público-alvo dessas marcas, mas sem dúvida elas sabem barulhar.

Durante os dois últimos 18 meses, quando ficaram fechadas as portas das salas de desfiles e das lojas físicas, entraram de voadora na pauta global assuntos como o racismo e a emergência climática, bem como questões de gênero. Temas que já poderiam estar mais adiantados na moda, não é?

Esta, por sua vez, bem poderia estar associada a um pensamento mais progressista. Quem trabalha com isso ou perto disso, entretanto, sabe que a moda é careta, que custa promover mudanças com receio da reação de quem a consome, com receio de não agradar, ou pior, a não vender. E que a justificativa do “comercial” abranda o risco, as coragens, as dissidências e dissonâncias. A moda vai em comportamento de rebanho, manada.

É um sistema que pode ser hipócrita, por vezes tóxico e até preconceituoso, quando deveria ser, apenas, o contrário disso tudo. O que mudou foi porque não havia mais jeito de não mudar, enorme a pressão das redes e o temor dos cancelamentos.

Muita atenção se concentra em torno desta temporada de desfiles internacionais IRL, pós-pandemia (ou quase). Apesar de parabólica de zeitgeists, a moda sempre esteve longe de refletir a realidade. E o que se viu durante esse mês foi a volta da frivolidade e das fashion victims exibindo seus privilégios, sua diversão e seus drinques. Vimos também a nostalgia dos anos 1990, quando a moda era divertida, segundo o bordão.

A Chanel chegou a remontar o formato de desfile no Carrousel do Louvre, com as modelos dando pivôs marotos e os fotógrafos pululando nas laterais da passarela. Teve a volta das supermodels (menos de Linda Evangelista, outro dos assuntos recentes). Teve Anna Wintour fazendo sua cara de poucas amigas para garantir que, ufa, as coisas voltaram mesmo ao normal. Ou quase. Seu séquito diminuiu (não o poder).

Qualquer futurólogo de boteco conseguiria prever o retorno dos excessos e das superproduções montadas para sinalizar que as "gryphes" estão on (Givenchy, Balmain, Saint Laurent); do surrealismo (na linda Loewe, de Jonathan Anderson); e também a volta do sexo. Conforme diz a máxima, “sex sells”, assim mesmo, em inglês.

Teve a volta do preto (ou o preto é o novo preto, para citar outra máxima de época), pelas mãos de mestres como Yohji Yamamoto, Rick Owens e Demna Gvasalia, na Balenciaga, que fez de sua passarela um "red carpet" (ou vice-versa) enquanto celebrou a moda como merchandising na ativação com os Simpsons. A emoção ficou no desfile-tributo à pessoa mais fofa da moda, o estilista Alber Elbaz, que morreu de Covid. Ironia triste.

Ricos e "rykas" assim continuam e, no bolso, pouco sofreram os impactos do lockdown mundo afora, aqui no Brasil também. Alguns sentiram, mas na saúde mental. Miuccia Prada expôs vulnerabilidades, revelando que esteve em crise e pensou em parar.

No balanço, menos pompa ainda é de bom tom. No dia a dia, porém, o que se comenta é que a indústria anda tão competitiva e ansiosa (gananciosa?) quanto sempre foi. Então, tudo será meio como antes –quem tem dinheiro quer gastar. E mostrar. Quanto ao meio ambiente, não existe almoço grátis. Alguém tem que pagar a conta. Por enquanto, na moda, ainda é o planeta.

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