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Mano Brown se revela um ótimo entrevistador em podcast valioso

Rapper sabe bem como conduzir 'Mano a Mano', do Spotify, mas estética sonora do programa poderia evitar deslizes

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Mano a Mano

Um dos nomes mais ilustres da música brasileira cara a cara com pessoas influentes de diversos nichos é uma boa premissa para um podcast. Se a conversa for fluida e frutífera, a tendência, então, é uma audiência alta e promissora. Prova disso é o "Mano a Mano", podcast do Spotify que desde o lançamento, em 26 de agosto, está frequentemente no topo dos mais ouvidos da plataforma.

Apresentado pelo rapper Mano Brown, dos Racionais MC's, o programa se tornou um sucesso em poucos dias e tem provocado discussões nas redes sociais, com a variedade de seus temas e convidados.

homem posa em cenário neon
O rapper Mano Brown - Pedro Dimitrow/Spotify

Com episódios novos às quintas-feiras, o podcast traz assuntos importantes e de curiosidade popular. Nele, Brown conduz entrevistas descontraídas, expõe reflexões e desabafa com seus convidados.

Até o momento, ele já entrevistou a rapper Karol Conká, o médico Drauzio Varella, que é colunista deste jornal, o ex-presidente Lula, os ex-jogadores Gilberto Sorriso, Juary e Pitta, o pastor Henrique Vieira, o vereador Fernando Holiday, do Novo de São Paulo, o técnico Luxemburgo e a cantora e deputada estadual Leci Brandão, do PCdoB de São Paulo.

Voltado a quem curte podcasts longos —todos os episódios têm mais de uma hora de duração—, "Mano a Mano" é um prato cheio de conteúdos interessantes e importantes para explorar. E grande parte desse triunfo se deve a seu apresentador.

Não é novidade para ninguém que Brown é um excelente orador. Desde o início de sua fama, nos anos 1980, o artista é elogiado pela boa articulação e formulação de seus discursos. Mas sua capacidade de produzir boas entrevistas é um talento que só agora foi revelado.

Na contramão da ideia de que um bom entrevistador deve encurralar o entrevistado, Brown consegue arrancar dos seus convidados um tesouro de respostas sem constranger ninguém. Em vez de aderir a um tom agressivo ou acusatório, ele investe em conquistar a confiança e recolhe uma série de declarações relevantes.

Com uma pegada descontraída, Brown se debruça também sobre a importância do debate e, principalmente, sobre estar disposto a ouvir, algo bem caro para os tempos de ringues virtuais.

Seja sobre futebol, política, religião ou qualquer outro assunto, o apresentador não hesita em expor suas opiniões diante das dos entrevistados, até mesmo quando diverge da pessoa, como no episódio quando conversa com Holiday, símbolo do Movimento Brasil Livre e ex-bolsonarista —entrevista que fez Brown ser duramente criticado por ouvir e dar voz ao vereador direitista que luta contra as cotas raciais e que já se envolveu em polêmicas sobre o movimento negro.

Com a confiança conquistada, o rapper conseguiu fisgar contradições de vários entrevistados, como Lula e Holiday, que se enrolaram em alguns momentos das entrevistas —o petista, por exemplo, apelou para um discurso simplista de vitimismo quando questionado sobre o racismo no partido, dizendo que "há uma evolução política dos negros adquirindo a consciência de que não basta ficar achando que é vítima".

Além de contradições e detalhes sobre as trajetórias pessoais de cada entrevistado, o podcast traz alguns relatos íntimos do músico, como sua relação com escolas de samba, críticas a campanhas partidárias, o amor pelo Santos, as lembranças da infância, a dificuldade do luto, percepções diante do caos pandêmico e a crença no divino.

"Mano a Mano" tem um baú rico de informações. É uma boa oportunidade de aprender um pouco sobre —ou se aprofundar em— assuntos como racismo, desigualdade social, futebol e música.

O podcast, no entanto, comete deslizes incômodos e facilmente evitáveis. Logo no início dos episódios —com exceção do quarto—, Brown apresenta a jornalista Semayat Oliveira, que em teoria dá suporte a ele nas entrevistas. A participação dela, porém, não é bem definida para o ouvinte, já que suas perguntas e comentários surgem só após longos minutos de conversa —em alguns casos, depois de 50 minutos—, sem nenhum gancho específico. E, pouco depois de aparecer, sua voz desaparece de novo.

Isso causa estranheza na estética sonora. É como se familiarizar com duas vozes num diálogo de quase uma hora e, de repente, ouvir uma voz alheia, que em seguida some sem motivos.

Ainda assim, "Mano a Mano" é um podcast que vem se mostrando uma fábrica de entrevistas bem valiosas.

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