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Mario Prata romanceia origens do futebol em 'O Drible da Vaca'

Livro mistura personagens reais e imaginários, tais como Charles Darwin, Finnegans Wake e a rainha Vitória

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O Drible da Vaca

  • Preço R$ 49,90 (384 págs.)
  • Autor Mario Prata
  • Editora Record

No mundo de leitores e escritores, há quem odeie o rodapé, recurso tipográfico na parte inferior de livros, jornais e revistas, também conhecido como nota de pé de página, “footnote” ou “note de bas de page”, à escolha da língua do freguês. Mas há quem adore. Mario Prata, por exemplo, fez dele um aliado em sua mais recente obra, “O Drible da Vaca”.

A discussão é mais antiga que a Bíblia de Gutenberg. Os defensores das notas em livros de ficção apontam seu caráter explicativo e interativo, um relato paralelo que oferece informações simultâneas que não cabem na narrativa principal e linear, um artefato lúdico. Os detratores afirmam que elas afastam o leitor, além de aborrecê-lo e “sujar” a página, um elemento de fora que atrapalha e tira a concentração, um estraga-prazeres.

Partida da Copa do Mundo de 1970 entre Brasil e Uruguai. Pelé, da seleção brasileira, dá drible, no goleiro Mazurkiewicz, da seleção do Uruguai - Guerin Esportivo/Reprodução

Prata é adepto da teoria de que num romance cabe tudo o que o autor quiser botar lá dentro. Hábil manipulador de rodapés, ele consegue transformá-los até em capítulos. Interrompe a história contada em “O Drible da Vaca” à altura da página 67 para dar uma explicação pessoal ao leitor: “Eu sempre quis escrever um livro sobre futebol. De ficção. É complicado ficcionalizar algo que todo mundo conhece. (...) Foi quando comecei a viajar sobre a invenção do futebol”, explica o autor, que partiu de uma pesquisa no Google sobre o exato tamanho das traves. Ele descobriu que as medidas (7,32 por 2,44 metros) eram idênticas à porta da entrada principal da Universidade de Cambridge, na Inglaterra. Aquilo era coincidência demais para um escritor cheio de imaginação.

Mario Prata é um escritor, dramaturgo, jornalista e cronista brasileiro. É natural de Uberaba, Minas Gerais, mas viveu boa parte da infância e adolescência em Lins, interior de São Paulo em mais de 50 anos de escrita, tem no currículo 3 mil crônicas e cerca de 80 títulos, entre romances, livros de contos, roteiros e peças teatrais - Divulgação

Prata se vale de um velho, mas ainda eficiente recurso literário: o que vamos ler é um original de John H. Watson, escrito em 1894, relembrando fatos de 1859. O doutor Watson pôde se dedicar à tarefa porque nessa época não tinha nada de mais interessante a fazer, já que Sherlock Holmes estava morto, um breve período antes da sua ressurreição (mas isso é outra história).

Na recriação, o estilo de Watson está diferente, mais ágil, cômico e delirante. Como se fosse um médium ou um amante das paródias, ele incorpora os macetes narrativos de outros escritores (Charles Dickens, Oscar Wilde, Joseph Conrad e, sobretudo, de Raymond Chandler, que não tinha nascido quando o futebol foi inventado).

Todas as citações são devidamente creditadas em notas de pé de página, assim como as explicações ligadas ao futebol e retiradas de entrevistas na imprensa e da Wikipédia. Alguns rodapés, os melhores, são pura diversão nonsense.

Watson tem como companheiros de aventura uma estranha trupe de personagens reais e imaginários: Charles Laughton, Marlene Dietrich, Finnegans Wake, Leopold Bloom, Charles Darwin, a rainha Vitória, a sufragista Sarah Emily Davies. Os primeiros praticantes do esporte são os meninos –e uma menina, com pinta de craque– da família Silver, uma homenagem à família Prata.

Não deixa de ser uma investigação detetivesca, construída à maneira de uma chanchada de peripécias, cuja solução coincide com a primeira reunião do que seria a Fifa, em 1863. As descobertas são a bola com 12 pentágonos e 20 hexágonos costurados, as traves e o travessão, as redes (aprenda no livro a inacreditável origem do apelido “véu de noiva”), as marcações do campo, o árbitro e até os gandulas.

O drible da vaca é a jogada em que o atleta deixa a bola passar por um lado do adversário e corre pelo outro para apanhá-la na frente –lance que Pelé aplicou em cima do goleiro uruguaio Mazurkiewicz na Copa de 1970. É o tipo de finta que Mario Prata gosta de fazer com a seriedade da literatura.

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