Morre Lizzie Bravo, brasileira que cantou com os Beatles em 'Across the Universe'

Ela ia diariamente à porta do estúdio do quarteto na Londres dos anos 1960, até que foi chamada para uma gravação

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São Paulo

Lizzie Bravo, que morreu nesta segunda, aos 70 anos, foi uma em milhões. Cantora, colaborou com nomes da MPB como Milton Nascimento e Zé Ramalho, foi casada e teve uma filha com Zé Rodrix e, o mais fascinante, deixou sua voz na canção “Across the Universe”, dos Beatles.

Essa história, conta sua filha, a também cantora e atriz Marya Bravo, começa em 1967. Naquele ano, em vez de ganhar uma festa de formatura aos 16 anos, Lizzie preferiu pedir aos pais uma passagem para Londres. “Já no dia em que chegou lá, ela foi para Abbey Road”, diz Marya, lembrando o estúdio onde os Beatles gravaram todas as suas canções.

Durante seu período de três anos na capital inglesa, Lizzie ia praticamente todos os dias para a porta do estúdio, onde se reunia com outras fãs que batiam ponto no local. Foram apelidadas de "apple scruffs" –e, anos depois, homenageadas por George Harrison em uma canção com esse nome, no primeiro disco solo do guitarrista, em 1970.

mulher com roupas hippies deitada na cama cercada por pôsteres de integrantes dos beatles
Lizzie Bravo em foto tirada em 1970, no Rio de Janeiro - Frederico Mendes/Facebook/Reprodução

“Lizzie contava que, do lado de fora, acompanhou as gravações de ‘Sgt Pepper’s’ e do ‘Álbum Branco’, pois o som muitas vezes vazava para a rua. Por estarem lá todos os dias, pediam autógrafos, tiravam fotos com eles, se tornaram caras conhecidas”, conta a filha.

Mas o melhor aconteceu em fevereiro de 1968. Paul McCartney saiu do estúdio e perguntou às adolescentes sentadas na porta “alguma de vocês consegue sustentar uma nota bem aguda?”. Lizzie e uma inglesa chamada Gayleen Pease, morta neste ano, aos 71 anos, se ofereceram. A canção era “Across the Universe”, que John Lennon considera uma das melhores que já escreveu.

As duas passaram o dia lá dentro cantando o refrão “nothing's gonna change my world”, em uma rara situação em que os Beatles chamaram alguém de fora do grupo para colaborar em uma música. A produção foi do quinto Beatle, George Martin.

mulher morena olha para interior de carro; ao seu lado está Paul McCartney
Lizzie Bravo encara John Lennon (dentro do carro) em 1967 em frente à casa de Paul McCartney, em Londres - Facebook/Reprodução

Essa versão foi lançada em dezembro de 1969, num álbum beneficente da organização World Wildlife Fund. Devido ao tema de vida selvagem do disco, sons de pássaro foram adicionados no início e no fim da canção.

Entretanto, para o álbum “Let It Be”, lançado em maio de 1970, o produtor Phil Spector tirou as vozes de Lizzie e Pease, além dos pássaros, adicionou orquestra e também desacelerou um pouco a gravação original. A nova mixagem foi aprovada por Lennon.

Mas a versão com a brasileira não se perdeu. É ela que aparece na coletânea dupla “Past Masters” e pode ser ouvida em qualquer plataforma de streaming hoje.

Em 4 de fevereiro de 2008, quando se completaram 40 anos da gravação original, a Nasa fez uma transmissão da canção em direção à estrela Polaris, a 421 anos-luz da Terra. Vale lembrar que "across the universe" significa através do espaço.

Ao voltar ao Brasil, ainda em 1969, Elizabeth Bravo seguiu a carreira de cantora e, em 1971, deu à luz Marya Bravo, fruto do casamento com Zé Rodrix. É daquele ano uma de suas composições mais famosas, “Casa no Campo”, regravada por Elis Regina, entre outros. Nela, conta Marya, Rodrix cita Lizzie (“a esperança de óculos”) e ela própria (“filho de cuca legal”).

Em 2015, Lizzie lançou suas memórias no livro “Do Rio a Abbey Road”. Editada e vendida de forma independente (por meio do email lizzie.bravo@gmail.com, que a filha vai manter), a obra de capa dura traz cerca de 300 páginas e 200 fotos, incluindo várias ao lado dos Beatles nos anos 1960. Recentemente, Lizzie trabalhava na tradução da obra para o inglês, tarefa que sua única filha agora pretende finalizar.

Nos últimos tempos Lizzie morava com o irmão em Botafogo, no Rio de Janeiro. Há duas semanas, foi internada para passar por um procedimento contra arritmia no coração, uma doença congênita que ela controlava com remédios havia décadas. Não se recuperou bem da intervenção e morreu de repente no fim da tarde desta segunda.

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