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Artes Cênicas

Mostra de Will Eno é um déjà vu de temas atuais que acaba monótono

Falta à montagem das quatro peças uma atitude experimental que dinamize o trânsito entre teatro e vídeo

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Mostra Will Eno

As quatro peças escolhidas de Will Eno para a mostra online dirigida por Fernando Vilela parecem ter sido customizadas para o formato do vídeo. Todas elas acontecem em ambientes mediados pela câmera: um jornal de TV noticiando o aparente fim do mundo (“Tragédia: Uma Tragédia”); a declaração pública de uma companhia aérea depois de um acidente (“A Porta-Voz”); uma coletiva de imprensa de um técnico de futebol (“O Técnico”); uma interação virtual de um homem e uma mulher buscando relacionamentos amorosos (“Senhoras e Senhores, a Chuva”).

Não são obras inéditas no Brasil. “Tragédia: Uma Tragédia” teve uma montagem em 2014, produzida pela atriz Amanda Lyra. As outras três peças curtas fizeram parte do espetáculo “Ah, a Humanidade! E Outras Boas Intenções” concebido por Guilherme Weber em 2013. Porém, a junção proposta nesta Mostra Will Eno é nova e ressalta a impressão de que as peças do autor são múltiplas partes fragmentadas de um mesmo tema.

O dramaturgo americano Will Eno - Flávio Florido/Folhapress

As quatro peças possuem uma mecânica muito similar —todas elas apresentam ambientes reconhecíveis, como um jornal na TV ou uma coletiva de imprensa, mas as personagens logo desviam do comportamento esperado para aqueles espaços e a cena se desenvolve de forma estranha e incomum.

Diante do fim do mundo, os jornalistas de “Tragédia: Uma Tragédia” são absorvidos pelo vazio que testemunham. O técnico de futebol em “O Técnico” vai explicar a fase ruim de seu time, mas passa a falar das crises existenciais que vive.

Das situações cotidianas apresentadas esperam-se lugares-comuns e várias camadas de artificialismo, mas a cena é logo assaltada por longos e inusitados fluxos de texto totalmente estranhos àquelas circunstâncias. O resultado é um teatro que mistura sátira com considerações profundas, sem deixar claro quando uma começa e a outra termina.

Vem daí a sensação de irreverência e de absurdo que envolve a obra. Não por acaso, o autor, nascido no estado de Massachusetts nos Estados Unidos, é visto como um herdeiro de Edward Albee, seu compatriota e um expoente na América de algumas tendências teatrais do pós-guerra agrupadas em torno do conceito “teatro do absurdo”.

Mas, apesar das entusiasmantes comparações com Albee, o teatro de Will Eno parece ser um pouco hipervalorizado. De suas linhas emana um longo déjà vu temático sobre a crise do sujeito no mundo caótico em que vivemos. Também a construção literária cheia de elipses, cortes bruscos e articulações inusitadas entre as partes tornou-se um tipo de fórmula dramatúrgica fácil do mundo contemporâneo.

Os textos escolhidos para a mostra têm um andamento prolixo, giram em falso, empilham jogos vazios de palavras num tipo de massa literária absolutamente enigmática. As peças parecem estar repletas de referências e sentidos complexos, mas o excesso de signos indecifráveis resulta, na verdade, em insignificância. Ou monotonia.

O grupo dirigido por Fernando Vilela reproduz esses limites do autor e cria um novo problema. As interpretações parecem sempre buscar maneiras de sublinhar a estranheza das falas ou a perturbação das personagens.

Além de ser um exagero desnecessário, também neutralizam a tensão sugerida nas peças de Will Eno entre a expectativa ordinária das situações corriqueiras e a brutal estranheza do discurso. Tudo se torna igualmente excêntrico, do começo ao fim, sem qualquer modulação.

Do ponto de vista audiovisual, as duas partes da mostra não vão além de um uso simplista da linguagem cinematográfica. A câmera fica relegada ao papel de testemunha passiva da criação teatral, em planos fixos e estáticos, e o vídeo é montado de forma pouco criativa.

Se as quatro peças de Will Eno poderiam ter sido escritas para esse momento no qual o teatro foi obrigado a expandir suas fronteiras em direção ao vídeo, faz falta na mostra uma atitude mais experimental e ativa que dinamize o trânsito entre as linguagens.

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