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Olga Savary une poesia e erotismo em versos que ecoam Hilda Hilst

Antologia 'Coração Subterrâneo' traz poemas que resgatam obra pouco conhecida da escritora que morreu em 2020

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Luisa Destri

Doutora em literatura brasileira pela USP e coautora de "Eu e Não Outra - A Vida Intensa de Hilda Hilst"

Coração Subterrâneo: Poemas Escolhidos

  • Preço R$ 54,90 (128 págs.); R$ 39,90 (ebook)
  • Autoria Olga Savary
  • Editora Todavia

Esta antologia parece ter como objetivo oferecer um panorama sem mediações de uma das líricas mais singulares da literatura brasileira do século 20. Tomando como título o de uma composição extraordinária, "Coração Subterrâneo" colhe uma centena de excelentes exemplos da trajetória poética de Olga Savary, passando pela tendência mais abstrata, os haicais, o tema amoroso e, como não poderia deixar de ser, o erotismo –vertente que a notabilizou entre os leitores de poesia.

Capazes de capturar sobretudo pelo encantamento com que revestem os sentimentos, os poemas de fato têm força própria, especialmente quando o assunto é a própria poesia ou o desejo –mais ainda, talvez, quando se trata da união desses dois temas.

"É Proibido Jogar Comida aos Animais", que chama atenção desde o título, se encerra, por exemplo, com a seguinte confissão "olho no olho o bicho que me espreita,/ ponho-me nua para ser domada/ e o coração do magma eu atiro à fera". Ao mesmo tempo que encerra uma cena possivelmente de encontro entre amantes no poema, a imagem serve como exemplo da intensidade buscada por Savary.

A escritora Olga Savary, em foto de 1998 - Marco Antônio Cavalcanti / O Globo

Expressa quase sempre em termos claramente femininos, essa intensidade se mostra mesmo em relação a símbolos tradicionais da poesia lírica, como os que surgem na primeira das três estrofes de "Acomodação do Desejo I". "Quando abro o corpo à loucura, à correnteza,/ reconheço o mar em teu alto búzio/ vindo a galope enquanto cavalgas lento/ meu corredor de águas."

A autora aproveita com originalidade associações bastante conhecidas –entre cavalo e libido masculina e entre água e libido feminina–, numa das muitas metáforas do encontro sexual empregadas em sua poesia.

Um trecho de "Nome I" –"Amor é com que me deito e deixo montar minhas coxas em forma de forquilha"– e outro de "Frutos" –"tendo minhas pernas coroando suas ilhargas"– se somam ao exemplo anterior para mostrar como a afirmação do desejo em Savary recusa a distinção entre passividade e atividade como propriedades dos gêneros para os enquadrar como lugares que os amantes podem ocupar de forma alternada.

Se parece um dado já incorporado à poesia brasileira que se escreve hoje, a liberdade no encontro amoroso foi uma reivindicação de poetas da mesma geração de Olga Savary –como a paulista Hilda Hilst, por exemplo, de quem a paraense se aproximou provavelmente no fim da década de 1970, como alguns de seus poemas deixam entrever.

Esse é apenas um dos dados importantes envolvendo a produção da autora, que, tendo atuado intensamente como jornalista (foi uma das fundadoras de O Pasquim) e tradutora, lutou pelo reconhecimento de sua poesia –pela qual recebeu uma dezena de prêmios, no entanto permanecendo desconhecida por um público mais amplo e afastada do interesse da crítica acadêmica, com raras exceções.

Essa situação se reflete na dificuldade de acesso à sua obra e na má qualidade das informações disponíveis a seu respeito. Um dos mais óbvios exemplos é a causa de sua morte, atribuída à Covid em muitas fontes, mas desmentida por este jornal.

Quando se trata de pôr em circulação uma poesia que se pretende também de algum modo reabilitar, seria importante oferecer aos leitores algum tipo de material capaz de guiar e amparar a descoberta. Nesse sentido, a antologia, que conta com posfácio de Laura Erber, poderia ser uma contribuição ainda mais decisiva para o reencontro do leitor com Savary.

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