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Sally Rooney, do fenômeno 'Normal People', não quer ser só mais uma millennial chata

Em entrevista, escritora saudada como a grande autora de sua geração agora reclama de sua imagem pública

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mulher branca de cabelos castanho-claros e camisa branca posa em parque

A escritora irlandesa Sally Rooney, autora de 'Conversas entre Amigos', 'Pessoas Normais' e 'Belo Mundo, Onde Você Está', em Dublin The New York Times

São Paulo

Sally Rooney diz não saber direito quem é essa Sally Rooney de quem tanto falam.

“Meu nome aparece em discussões sobre cultura literária contemporânea, compreensivelmente, mas eu preciso usar o mesmo nome para marcar dentista e passagens de trem”, afirma a escritora. “Eu não reconheço a figura cultural que atende pelo meu nome —e é compreensível, porque quem o menciona normalmente não me conhece como pessoa.”

E ela tem razão. Desde que seus primeiros romances, “Conversas entre Amigos” e “Pessoas Normais”, a tornaram o raro fenômeno de vendas que também é levado —e muito— a sério pela crítica, o nome da autora de 30 anos é citado à exaustão para discutir não só a sua literatura, mas a sensibilidade de toda uma geração.

No New York Times, ela é recebida como “a primeira grande autora millennial”. E a imprensa internacional se divertiu muito inventando apelidos engraçadinhos como “Jane Austen do precariado” e “Salinger do Snapchat”.

Povoados de personagens tão inteligentes quanto inseguros, profundamente conscientes dos defeitos que expressam a cada interação social, seus livros viraram assunto de bar e de universidade, além de caprichadas produções audiovisuais —a série “Normal People” já foi um sucesso e a adaptação de “Conversas entre Amigos” deve sair no ano que vem pela BBC.

A expectativa para o seu novo romance, “Belo Mundo, Onde Você Está”, deixou tanta gente em polvorosa que livrarias britânicas prepararam eventos especiais de lançamento em todo o país, numa estratégia que lembra o frenesi de “Harry Potter”.

Um reconhecimento desse tamanho seria cenário idílico para qualquer escritor. Menos para Sally Rooney.

“Eu penso com frequência, sim, que estaria satisfeita com um nível muito menor de sucesso”, afirma ela. “Mas a verdade é que eu não queria que os livros fossem menos bem-sucedidos. Só desejaria que eu, pessoalmente, não fosse tão conhecida.”

Esse sentimento não é trivial, porque transborda de cada página de “Belo Mundo, Onde Você Está”. Alice, a protagonista, é uma escritora que engordou sua conta bancária de forma repentina, quando viu seus livros alcançarem uma popularidade quase acidental.

Depois de um colapso nervoso, ela se refugia numa cidade pequena e conhece no Tinder um rapaz que trabalha empilhando caixas num depósito —prato cheio para desenvolver alguns dos temas favoritos de Rooney, como o desconforto com o privilégio e a culpa branca.

A narrativa mistura a terceira pessoa ao estilo epistolar, já que a jovem se corresponde ao longo do livro com Eileen, sua melhor amiga, que edita uma revista literária e se angustia por não ter construído nada de valor durante uma década de carreira.

O trecho reproduzido a seguir, de um dos emails enviados por Alice à amiga, dá uma boa noção do tom confessional que domina o romance. “Desculpa a demora —te escrevo de Paris, logo após chegar de Londres, aonde tive que ir para aceitar um prêmio. Eles nunca se cansam de me dar prêmios, não é? É uma pena que eu tenha me cansado tão rápido de recebê-los, senão minha vida seria uma diversão interminável.”

Não é preciso esforço para encontrar similaridade entre criadora e criatura, nem é justo dizer que há intenção de disfarçar isso. Veja o que Alice fala a seguir, em outro email.

“É inacreditável que eu tenha que aguentar essas coisas —ter matérias escritas a meu respeito, ver minhas fotos na internet e ler comentários sobre mim”, reclama. “Não paro de me deparar com essa pessoa, que sou eu mesma, e a detesto com todas as minhas forças. Detesto seu jeito de se expressar, detesto sua aparência e detesto suas opiniões sobre tudo. E, no entanto, quando os outros leem sobre ela, acreditam que ela sou eu.”

Ao ser questionada sobre essa proximidade, Rooney diz não ter decidido inventar uma romancista para discutir o fardo da sua própria fama, mas que as personagens que vêm à sua mente costumam ter experiências parecidas com as dela.

“Ter familiaridade com as circunstâncias das minhas personagens tende a ser útil, porque economiza em pesquisa”, afirma, ressaltando que também trabalhou no mercado editorial de Dublin como Eileen, a amiga menos genial. “Mas não escolho conscientemente aquelas sobre quem escrevo. Elas aparecem na minha cabeça e tenho que tentar escrever sobre elas.”

A literatura de Rooney tem o mérito de mostrar suas personagens sem maquiagem, ocupando o livro com suas fraquezas mais vergonhosas e suas incoerências mais frustrantes. Tudo demasiado humano, sem qualquer filtro para se encaixar em expectativas de correção.

São pessoas que não perdem oportunidade de expressar desprezo por suas próprias ações e escolhas, às vezes presas num ciclo de mágoa e flagelo. “Você às vezes tem a sensação, quando alguém te faz uma gentileza, como se estivesse tão grata que acabasse se sentindo mal?”, pergunta Eileen a certa altura.

Rooney não teme que, com tanta autocomiseração, os leitores achem suas personagens simplesmente pessoas chatas?

“Não, eu não me preocupo com isso”, responde a autora. “Do ponto de vista artístico, não importa para mim se as pessoas gostam ou não das minhas personagens. A ideia de ler um livro para julgar se dá para gostar das personagens é estrangeira para mim.”

“Além disso, não me preocupo muito se as pessoas gostam de mim ou não. E, se minhas personagens fossem reais, também não se preocupariam”, acrescenta. “Nem todo mundo pode gostar de todo mundo. Então é razoável que pessoas ficcionais que se aproximem da complexidade das pessoas reais não sejam universalmente adoráveis também.”

BELO MUNDO, ONDE VOCÊ ESTÁ

  • Preço R$ 54,90 (352 págs.); R$ 34,90 (ebook)
  • Autoria Sally Rooney
  • Editora Companhia das Letras
  • Tradução Débora Landsberg
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