Descrição de chapéu Onde se fala português

Vocabulário diferente nos países de língua portuguesa causa estranheza, mas só no começo

Veja exemplos de diferentes significados no Brasil e em Portugal

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Thaís Nicoleti De Camargo

Na Folha desde 2000, coordenou o Controle de Erros, assinou artigos e, desde 2012, assina blog sobre língua portuguesa. Autora de "Redação Linha a Linha" (Publifolha, 2004).

São Paulo

No Brasil, o aparelho que virou extensão do nosso corpo chama-se “telefone celular” ou, simplesmente, “celular”; em Portugal, atende pelo nome de “telemóvel”. Os “fones de ouvido” dos brasileiros são os “auriculares” dos portugueses. Na terra de Camões, “prego” é coisa de comer: trata-se de um bife temperado com alho e sal, geralmente servido dentro do pão.

As diferenças no emprego do vocabulário são as mais perceptíveis para quem sai do Brasil à espera de encontrar do outro lado do Atlântico a sua língua materna. Sim, o mesmo português está cá e lá –e também nos países da África em que é falado (Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau e Cabo Verde) e no Timor Leste, bem como em diversas comunidades espalhadas pelo globo.

Na Guiné Equatorial, que adotou o português como uma das línguas oficiais, é mais fácil ouvir o espanhol, o francês ou o fang. Na ilha de Ano Bom, porém, fala-se uma língua crioula de base lexical portuguesa.

A língua é a mesma, mas isso não quer dizer que os estimados 260 milhões (ou 280 milhões) de pessoas que dela fazem uso se expressem exatamente da mesma forma. O vocabulário, embora, em sua maior parte, seja comum, é selecionado de maneira diferente no mesmo tipo de situação.

Muitos brasileiros, quando chegam a Portugal, têm a impressão de que os portugueses usam registro erudito no cotidiano. Essa impressão advém do fato de muitas palavras de uso corriqueiro por lá terem por aqui baixa frequência. No Brasil, a televisão tem “tela”; em Portugal, tem “ecrã”; aqui se diz “cúpula” quando lá se diz “cimeira”; um “presidente de associação” por lá é um “bastonário”.

Nos países africanos lusófonos, o português é mais parecido com o da antiga metrópole, uma vez que sua independência é recente. Não se pode, no entanto, ignorar a convivência do idioma oficial com as chamadas línguas crioulas, que são o resultado da mistura de línguas nativas com o português.

Em Cabo Verde, por exemplo, cada uma das dez ilhas que compõem o país tem seu crioulo. Em recente edição do jornal cabo-verdiano A Semana, via-se um anúncio do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal redigido em três línguas: “Ca bu dexa iluson lebabu pa xplorason”, “Cabu dixa bu inganado ao ponto de bu sufri exploração” e “Não deixes que uma ilusão te leve à exploração”.

As duas frases iniciais ilustram a convivência do português com línguas nativas. A última traz uso do idioma mais próximo do registro lusitano que do brasileiro, pois aqui o pronome “tu” e, sobretudo, os verbos devidamente conjugados na segunda pessoa do singular são raridade.

No Brasil, o “tu” e o “vós” vêm sendo substituídos pelos pronomes de tratamento “você” e “vocês”, que requerem verbos na terceira pessoa. Até mesmo o pronome “nós”, comum no português europeu e no africano, vem perdendo espaço no Brasil, onde se ouve, com grande frequência, a expressão “a gente”.

Aviso aos viajantes: esse uso é típico do Brasil. “A gente”, em Portugal, é o povo. Segundo aviso: esse registro não é novo por aqui. O poeta Carlos Drummond de Andrade, no seu célebre “Poema de Sete Faces”, de 1930, já versejava: “Eu não devia te dizer/ Mas essa lua/ Mas esse conhaque/ Botam a gente comovido como o diabo”.

O fato de haver diferenças não implica ser um português mais bem falado que o outro. Trata-se, isto sim, de variação ligada ao dinamismo da língua em cada local onde é posta em uso.

Há, por certo, diferenças inevitavelmente engraçadas, algumas das quais o leitor saberá de cor e salteado. “Rapariga”, que, em Portugal, é apenas o feminino de “rapaz”, por aqui, sobretudo na região Nordeste, tem sentido pejorativo, sendo um modo de referir-se a prostitutas.

“Camisola”, no Brasil, é traje feminino de dormir; em Portugal, é o mesmo que “camiseta”. Não será incomum, portanto, que, na narrativa futebolística, ouçamos o locutor dizer, após relatar o número de “golos” (em vez de “gols”), que os jogadores trocaram as camisolas ao término da partida.

No ciclismo, o “camisola amarela” é o atleta que faz em menos tempo o “prólogo” da competição. “Prólogo”, no caso, não é primeira parte da tragédia grega, mas a prova que antecede uma competição ou corrida por etapas (“Rafael Reis é o primeiro camisola amarela da Volta a Portugal”, anunciava um diário português em 2018).

Num jornal português, a manchete “Despiste de camião provocou 14 mortos no leste da Guiné-Bissau” informa o que, no Brasil, seria a “derrapagem” de um “caminhão”. “Camião” vem do francês “camion”; no Brasil, a forma adulterou-se, talvez num cruzamento com a palavra “caminho”, e cá estamos a dizer “caminhão” e “caminhoneiros”, com “nh”, mas nada nos impede de usar camionete (ou camioneta, como os lusitanos).

O “acostamento” da via, por lá, é chamado de “berma”, enquanto a nossa “praça de pedágio” é a “portagem” deles; o que, no Brasil, chamamos de “engavetamento” é “choque em cadeia”; as nossas “multas”, por lá, são “coimas”; aviões aqui “decolam”, mas lá “descolam” (“Cargueiro espacial russo descolou rumo à Estação Espacial Internacional” foi notícia no Público há três anos).

Ah, e “propina” pode não ser o que o leitor brasileiro está pensando. Do sentido inicial (“gratificação”, “gorjeta”), surgiu, no Brasil, a ideia de suborno, enquanto, em Portugal, o termo é usado, em geral, no sentido de taxa de matrícula.

Tanto em Portugal como em Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau e Cabo Verde, “paragem” é o termo equivalente ao nosso ponto de ônibus ou de táxi. Em Angola e Moçambique, o ônibus (que, em Portugal, é “autocarro”) é chamado de “machimbombo”. A palavra parece evocar alguma raiz africana, mas não há certeza acerca disso. Em Portugal, tem o significado de “ascensor mecânico para ladeiras íngremes” e aparece também com “x” no lugar de “ch”. Há quem veja no inglês “machine pump” (“bomba mecânica”) a origem do termo. Aliás, os portugueses dizem “ascensor”, enquanto os brasileiros dizem “elevador”, mas, mesmo por aqui, o profissional que manobra o elevador é chamado de “ascensorista”.

Não é só na escolha das palavras, contudo, que as diferenças são perceptíveis. Se no Brasil dizemos que as pessoas “estão falando” de alguma coisa, em Portugal, ouviremos dizer que “estão a falar” de alguma coisa. Um sanduíche por aqui é “uma” sanduíche por lá, com mudança de gênero gramatical, ou mesmo uma “sande”. “Equipe” é “equipa”, com pequena alteração morfológica.

“Metrô” é “metro”, com diferença de pronúncia. No Brasil, fazer um plano é “planejar”; em Portugal, é “planear”. A mesóclise, no Brasil, é construção tão rara que seu uso por um presidente da República foi notícia na imprensa e rendeu muita conversa nas redes sociais. Em Portugal, um “sê-lo-ia” pode aparecer numa manchete de jornal ou numa conversa.

Nada disso impede a comunicação entre uns e outros, mas é certo que não estamos livres de alguma confusão. Um “pastel” em Portugal pode sugerir uma iguaria bem diferente daquela que atende pelo mesmo nome no Brasil. Os célebres pastéis de nata (“nata” é o nosso “creme de leite”) da culinária portuguesa que o digam. Em nada se parecem com as massas crocantes fritas nas feiras livres ou servidas como petisco nos bares brasileiros. Diga-se ainda que o que conhecemos como “bolinho de bacalhau” será, no além-mar, um “pastel de bacalhau”.

“Camarão”, por lá, é termo usado para os crustáceos de pequeno porte. Os maiores são chamados de “gamba” e de outros nomes, de acordo com o tipo. “Presunto”, na terrinha, quer dizer “presunto cru”; o cozido é “fiambre”. Na culinária, há um sem-número de pequenas diferenças, que é muito agradável aprender na prática.

As siglas nem sempre coincidem. “Aids”, no Brasil, segue o inglês; em Portugal, a síndrome da imunodeficiência adquirida é conhecida como “Sida”. Note-se também que um exame que, no Brasil, é “sorológico” será, em Portugal, “serológico” (do latim “sĕrum”). UTI é mais comum entre os brasileiros; portugueses costumam usar CTI.

No rol das curiosidades, figura a seção de “achados e perdidos” (Brasil) e de “perdidos e achados” (Portugal). Mais estranho, para os brasileiros, porém, é ler uma manchete como esta (do Diário de Notícias): “Cérebro humano pode armazenar 4,7 mil milhões de livros”. Sim, isso mesmo. Em Portugal, “mil milhões” equivale ao nosso “bilhão”.

Vale lembrar que, não faz muito tempo, os portugueses usavam “milião” e consideravam “milhão” um termo do registro informal brasileiro. Hoje, “milhão” está em pleno uso em Portugal, o que dá ao português europeu um tempero brasuca. Quem estiver estranhando a forma “milião” poderá perguntar-se por que dizemos (e escrevemos), cá e lá, “milionário”, não “milhonário”.

Nossos modos de falar têm muito mais semelhanças que diferenças, embora estas, como é natural, saltem aos olhos. O intercâmbio entre as culturas que se expressam em português é a melhor forma de ampliar o nosso conhecimento dessa língua tão rica em nuances que Fernando Pessoa já dizia ser a sua pátria.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.