Art Basel volta a Miami depois de jejum pandêmico e mira a sede dos super-ricos

Maior feira do mercado latino-americano celebra reabertura das fronteiras e reúne 253 galerias, 14 delas brasileiras

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Miami

O sol entre nuvens e temperaturas amenas para o normal tórrido do Caribe vão dominar a previsão do tempo desta semana em Miami, mas galeristas esperam eufóricos pela tempestade perfeita —a abertura das fronteiras e bilionários com vontade de gastar.

"O termômetro da cidade são os taxistas, amigo", diz o homem que me trazia até o hotel, feliz com a volta do trânsito e dos iates à beira do mar.

Não é para menos. Depois de dois anos de jejum pandêmico, a Art Basel Miami Beach enfim volta a receber colecionadores, influenciadores, fashionistas, celebridades e toda a fauna que aproveita o cenário de obras de arte espalhafatosas para ostentar figurinos do mesmo naipe, um Carnaval do mais kitsch ao mais cool, aberrações coloridas talhadas para bombar no Instagram.

"Os hotéis estão lotados. As passagens estão caríssimas, está tudo lotado", diz um esbaforido Thiago Gomide, dono da Gomide & Co, uma das galerias mais poderosas do Brasil, que desembarca agora no olho do furacão da maior feira do mercado latino-americano depois de um esforço de "rebranding". "A movimentação pré-feira está igualzinha como se fosse um outro ano."

Ele fala de outro ano sem pandemia, algo distante na memória dos marchands acostumados ao trottoir elétrico do evento que pôs a arte do país nos principais museus dos Estados Unidos e da Europa. ​

O novo normal do "circo tropical", como certos críticos americanos chamam a overdose visual de Miami, envolve testes de Covid a cada tantos dias, entrada com hora marcada, máscaras no rosto. Os protocolos sanitários impedem a estourada da boiada dos dias de abertura para os VIPs, que antes se encurralavam na entrada do centro de convenções que abriga a feira, passe dourado em punho, para comprar tudo pela frente.

Nesse sentido, Gomide deu uma calibrada no que chamava de estratégia turbinada de anos anteriores, com obras em geral na casa dos milhões de dólares. No universo mais comedido do que se deseja como pós-Covid, sua seleção é coisa de uma nota só, trabalhos de uma única artista, a brasileira de ascendência libanesa Habuba Farah, autora de lindas abstrações geométricas ainda desconhecidas do mercado estrangeiro e até mesmo paulistano —o Masp acaba de comprar agora uma tela da nonagenária.

"Eu costumo ir para Miami com um estande muito barra pesada, Sérgio Camargo, Lygia Clark, e as obras não são minhas, então tenho que convencer os colecionadores que eu vou levar e vou vender", diz Gomide. "É difícil convencer, porque essas obras muito caras você tem que ter certo cuidado. Minha estratégia é mais segura. Levar uma artista fresca e nova com valores acessíveis é mais seguro do que chegar só com medalhões."

Os medalhões, vale lembrar, podem estar em baixa. Um dos efeitos da pandemia, que confinou os colecionadores em casa e impôs um ócio excessivo para a dinâmica do jet-set acostumado a emendar feira atrás de feira, de Los Angeles a Hong Kong, também deu tempo para a lição de casa.

Artistas da moda, no caso, tiveram mais tempo para se firmar na moda, para bem ou para o mal. Isso quer dizer que os colecionadores enfim abriram o Google, e garotos e garotas do momento queridinhos das redes sociais já passaram pelo crivo dos consultores.

Nesse sentido, Miami não é brincadeira. A feira que reúne desta vez 253 galerias do mundo todo, cada uma delas desembolsando ao menos US$ 60 mil, ou cerca de R$ 330 mil por estande, serve para fechar negócios num ano morno. Se a retomada no ensaio pós-pandemia viu o primeiro time do mercado voltar a esbanjar, entre eles Gagosian e David Zwirner, o resto das galerias disputa as migalhas.

E a feira tem um papel central nisso. Maior conglomerado desse tipo de evento no planeta, a Art Basel, do grupo suíço MCH, perdeu US$ 109 milhões, ou R$ 607 milhões, só no ano passado, com restrições impostas pela pandemia. A retomada promete ser um tanto sangue nos olhos.

"Miami estava muito 'over' nos últimos anos, estava muito grande a feira, muitos eventos, aquela coisa acima do que a gente consegue fazer, café da manhã, lançamento, coquetel. Ninguém conseguia fazer um décimo do que tinha de programação aqui", diz Luciana Brito, da galeria que leva seu nome. "Essa baixada de bola vai trazer um público interessado em olhar. Vamos ver qual vai ser o resultado. Os compradores estão com sede de comprar, ficaram muito tempo sem poder ver uma obra ao vivo. Vai ser bom, estou com essa expectativa."

Essa sede, que vinha se deixando ver online, enfim pode dar as caras no mundo físico.

"A feira física tem um negócio que não é só ir lá e ver a obra, tem uma coisa social, você vai fazer uma viagem, vai para Miami, vai encontrar pessoas que você encontra só no circuito da arte, vai encontrar artistas novos. Tem um lado também social, afetivo", diz Alexandre Roesler, um dos sócios da Nara Roesler, galeria brasileira com sedes em São Paulo, Rio de Janeiro e Nova York. "Não é só a questão de estar vendo a obra ao vivo, é estar participando daquilo."

Essa participação pode fazer toda a diferença, em especial no caso de reencontros com artistas queridos. A atual edição da Art Basel Miami Beach, com 14 galerias brasileiras, entre elas as mais poderosas do mercado, já estreia como presente de Natal para marchands calejados pela pandemia, mas prevalece uma noção de cautela no caos.

Um dado de segurança, ou sinal de ansiedade, é que muitas galerias chegarão a Miami com quase tudo já negociado, fruto das transações online.

"Não tenho nunca expectativa de feira, é sempre uma surpresa, é uma caixa de bombons, você não sabe o que tem dentro, mas vai ter muita gente", diz Luisa Strina, uma das principais galeristas do país. "Não sei quem é que vai. Já tenho três obras reservadas, mas isso não quer dizer nada."

O jornalista viajou a convite da Art Basel

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