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Livros

Boris Fausto fala da morte e transita por gêneros em novo livro

Em 'Vida, Morte e Outros Detalhes', historiador e memorialista narra sua infância e juventude com elegância

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Vida, Morte e Outros Detalhes

  • Preço R$ 65 (200 págs.); R$ 40 (ebook)
  • Autor Boris Fausto
  • Editora Companhia das Letras

Pense em uma imagem do futebol, esporte adorado pelo historiador Boris Fausto desde menino. Um jogador que se sinta à vontade em todas as posições, na zaga, no meio de campo, no ataque.

Autor de estudos que se tornaram clássicos da história a partir de 1970, como "Revolução de 1930" e "Trabalho Urbano e Conflito Social", e memorialista em um período mais recente, com livros como "Negócios e Ócios", Boris Fausto lança "Vida, Morte e Outros Detalhes", sua obra mais livre, em que dispensa a fidelidade a gêneros e formatos. Transita, inclusive, pela ficção.

Lançado em 2014 e ápice dessa fase memorialista, "Brilho do Bronze" foi composto de reminiscências e reflexões que vieram à tona com a morte de Cynira, com quem ele foi casado por 49 anos. O novo livro também tem a morte como ponto de partida. Começou a ser escrito depois que Boris se despediu de Ruy Fausto, seu irmão filósofo, em maio de 2020.

É esse acontecimento que o estimula a escrever "A Tribo", o primeiro e mais longo texto de "Vida, Morte e Outros Detalhes". Não há autopiedade, tampouco lances de comoção ao comentar a finitude. Em meio ao luto, existe espaço até para sinais de ironia.

Aos 91 anos, Boris revive a infância e juventude dos três irmãos —ele, que é o mais velho, Ruy e o médico Nelson, o caçula. Com a morte precoce da mãe e o distanciamento do pai, foram criados pela tia Rebecca em uma configuração familiar que disseminou a insegurança entre eles naqueles primeiros anos.

Natural que, nessas circunstâncias, "as relações dos três porquinhos", nas palavras de Boris, tenham se reforçado. Mas, como tinha ficado evidente nas incursões memorialistas anteriores, rever lembranças não pressupõe uma nostalgia edulcorada. "Seria ilusório imaginar que a aliança fraterna não tivesse fissuras e mesmo fraturas."

Embora Boris retrate com ternura Ruy e Nelson, o primeiro a morrer, ambiguidades pairam sobre as descrições. Mas o autor jamais se coloca numa posição severa, como se quisesse julgar a sua própria família. Ele soa ironicamente impiedoso, vez ou outra, consigo mesmo, como ao lembrar o encontro com Martha Rocha no Réveillon de 2003.

Ruy Fausto, professor emérito da USP e doutor em filosofia pela Universidade Paris, em retrato de 2017; ele morreu em 2020, aos 85 anos - Giovanni Bello/Folhapress

Em contraste com "A Tribo", que se estende por 24 páginas, aparecem histórias curiosas sobre outros parentes que se resolvem em quatro ou cinco parágrafos. O cronista dos causos familiares dá lugar mais adiante ao analista, que faz reflexões breves sobre a pandemia, período em que o livro foi escrito, e o governo Bolsonaro.

Em "Um Título", o texto se resume a um parágrafo: "O cientista político Jairo Nicolau publicou em 2020 um livro com o título de ‘O Brasil dobrou à direita’. Fico pensando. Quando ele poderá aproveitar esse título num outro livro, tirando apenas a crase?".

Sobre os textos de ficção em "Vida, Morte e Outros Detalhes", a impressão é que o autor os escreveu como se estivesse brincando —uma brincadeira engenhosa. Em "Os Favores de Lúcifer", o anjo decaído decide mandar Hitler e Stálin de volta ao mundo terrestre nos dias de hoje. Os dois espiam o estado das coisas e hesitam diante da chance de retornar.

O autor se dedica ainda à chamada "história contrafactual", aquela que poderia ter sido. Nesse aspecto, o Brasil e o mundo não são matérias da sua imaginação; ele resolve criar fantasias sobre os rumos da trajetória familiar. Vindo do Império Austro-Húngaro, Simon, o pai de Boris, passou pelas cidades de Buenos Aires e São José do Rio Preto antes de se instalar em São Paulo, onde se casou. E se tivesse permanecido na Europa? E se tivesse parado em Rio Preto?

Independentemente dos gêneros (e são muitos), a concisão perseguida pelo autor só é possível nesta nova obra graças à clareza com a qual ele vem lapidando seus escritos, desde os primeiros livros de história. É um estilo marcado por fluência, limpidez e elegância, à maneira de Sócrates, o craque do Corinthians de Boris Fausto.

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