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Correio Blackpress disponibiliza raridades da imprensa negra

Portal reúne material jornalístico em língua portuguesa produzido mundo afora por entidades como a Liga Africana

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Uma forma distinta de pan-africanismo —multirracial e multilíngue, centrado na África, que combina solidariedade racial com ativismo anticolonial e com a defesa dos direitos dos africanos no continente negro e na diáspora africana.

Isso, que parece um movimento de hoje, já era pauta jornalística dos negros nos anos longínquos de 1915, de 1920, e muito antes. Parte desse material jornalístico, em língua portuguesa, começa a ser reunido agora em um portal na internet e com acesso livre: o Correio Blackpress Online (https://correio.blackpress.online/).

Criação da pesquisadora americana de origem cabo-verdiana Zita Cristina Nunes, professora da Universidade da Pensilvânia, o projeto foi lançado em setembro último, é bilíngue (inglês/português) e traz ferramentas de leitura bastante amigáveis para os usuários.

mapa desenhado com giz branco sobre pano preto
'Escravidão e Liberdade', desenho de Jaime Lauriano de 2018 feito com pemba branca (giz utilizado em rituais de Umbanda) e lápis dermatográfico sobre tecido de algodão preto que ilustra a capa do 'Dicionário da Escravidão e Liberdade', organizado por Flavio Gomes e Lilia Schwarcz - Filipe Berndt/Reprodução

O portal é um trabalho em andamento, primeira etapa de um projeto maior sobre a imprensa negra em língua portuguesa mundo afora. Reúne, no momento, arquivos de jornais de Portugal e suas colônias, como Moçambique e Brasil, e da África (Etiópia).

Já não é necessário percorrer as ladeiras da cidade do Porto, em Portugal, para consultar as páginas microfilmadas do Correio de África, por exemplo, jornal publicado entre 1921 e 1924, em Lisboa, produzido pela Liga Africana, organização formada por estudantes e profissionais africanos —médicos, engenheiros e advogados— que viviam em Lisboa.

Pesquisadora do pan-africanismo, Nunes conta que conseguiu autorização da Biblioteca Pública Municipal do Porto (BPMP) para digitalizar e disponibilizar online todas as 392 páginas da coleção do Correio de África.

"Embora existam inúmeros jornais negros na BPMP, decidi focar primeiro o Correio de África, jornal pan-africano que servia como centro de informação e promotor dos interesses dos africanos dentro e fora da metrópole. Este é um projeto de longo prazo, que pretende incluir os outros jornais da imprensa negra do acervo da BPMP, bem como uma coleção de jornais negros do Brasil, que digitalizei, além de jornais da África", afirma Nunes.

Do Brasil, já digitalizado, mas ainda em edição de demonstração, está incluído no portal O Menelick, publicação surgida em 1915, em São Paulo. Entre 1915 e 1963, havia mais de 40 veículos da chamada "imprensa negra paulista" no estado de São Paulo, conforme explica Nabor Jr. em artigo sobre O Menelick no portal. "Este próspero período em termos quantitativos (...) foi forjado em grande parte no seio de entidades associativas dos autointitulados ‘homens de cor’", diz Nabor.

O Correio de África, por sua vez, que denunciava a escravatura, a exploração econômica, a alienação de terras, entre outros temas importantes para a vida dos negros em outras nações, também reproduzia artigos e fotografias da imprensa negra mundial.

Seus jornalistas e colaboradores escreviam na linguagem de seus contemporâneos brancos, incluindo uso de palavras em latim e francês, numa tentativa de combater os estereótipos racistas aplicados aos afrodescendentes.

O jornal também se posicionava contra a política de assimilação de Portugal, pois insistia em se identificar como parte de uma imprensa "retintamente africana", o que quer dizer, conforme comenta Zita Nunes, "profundamente preto, uma cor que não empalidece, e reforça a missão do jornal como promotor da solidariedade racial negra".

O jornal descrevia assim o que chamava de má-fé do português colonizador: "maus hábitos por temperamento, estúpidos por educação, que têm sugado o africano, negando-lhe o sagrado direito de liberdade e progresso".

Segundo Zita Nunes, "o poder da imprensa negra em todo o mundo, começando nos Estados Unidos com o Freedom’s Journal, em 1827, tem sido amplamente documentado. A imprensa negra em português, apesar do número limitado de leitores, desempenhou papel igualmente importante na criação de uma esfera social para o debate de questões sociais, econômicas e políticas".

Ela ressalta que o material reunido no portal contribui para uma atualização fundamental dos estudos que datam o pan-africanismo na África no período pós-Segunda Guerra Mundial ou que negligenciam a sua relação com a Europa e a Ásia.

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