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Cinema

'Finch', com Tom Hanks e alusão a 'Wall-E', surpreende por detalhes

Filme não se mostra preocupado em ser uma adição original ao cânone da ficção científica

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Finch

  • Onde Disponível na Apple TV+
  • Classificação 12 anos
  • Elenco Tom Hanks, Caleb Landry Jones, Marie Wagenman
  • Produção EUA/Reino Unido, 2021
  • Direção Miguel Sapochnik

Diante de um filme que depende da equação "Tom Hanks + cachorro fofinho + robô engraçado", é natural que o público mais cético fique com o pé atrás. Afinal, esses três elementos aparentemente água-com-açúcar se juntam numa das mais duras distopias pós-apocalípticas já imaginadas pelo cinema. Mas, por incrível que pareça, a mistura que caracteriza o filme "Finch" funciona –e não só graças ao carisma de Hanks.

O longa, disponibilizado recentemente para os assinantes do serviço de streaming Apple TV+, retrata um daqueles raros casos nos quais o futuro distópico não parece ter sido causado diretamente pela imprudência ou ganância humana, ao menos de início.

Ao que tudo indica, anos antes do início da trama, um surto de atividade eletromagnética do Sol destruiu a camada de ozônio que hoje protege os seres vivos dos efeitos mais devastadores da radiação ultravioleta produzida pelo astro. Junte a isso temperaturas da ordem de 70 graus Celsius durante o dia e o resultado é que passar alguns segundos longe da sombra equivale a fritar um ser humano (ou qualquer outro ser vivo).

Pouquíssimas pessoas acharam maneiras de escapar da catástrofe global, e Finch Weinberg, personagem de Hanks, é uma delas. Morando no subsolo da empresa de tecnologia onde trabalhava, suas únicas companhias são um cachorro chamado Goodyear e o robozinho Dewey (um pouco menos de solidão, portanto, do que a enfrentada por seu personagem no já clássico "Náufrago").

Com a ajuda de um traje que o protege do calor e dos níveis letais de radiação, Finch sobrevive parasitando os restolhos da civilização que desapareceu, de olho em latas de comida de cachorro ou peças de automóvel que tenham escapado aos anos de saques em hipermercados e postos de gasolina.

Mas até um sobrevivente nato como ele sabe, com toda a clareza do mundo, que não vai durar para sempre. E é por isso que ele cria um outro robô, humanoide e potencialmente muito mais versátil que Dewey, para que o cãozinho Goodyear não fique sem um cuidador quando Finch morrer.

Premissa piegas? Talvez. O filme tampouco se mostra muito preocupado em ser uma adição original ao cânone da ficção científica. Pelo contrário: as alusões deliberadas a outras histórias do gênero estão por toda parte, do ar caseiro-retrô e das pilhas de lixo da animação "Wall-E", da Pixar, às "leis da robótica", diretrizes éticas sobre a relação humano-robô originalmente cunhadas pelo escritor americano Isaac Asimov (1920-1992). E é claro que a voz do novo robô, mais tarde apelidado de Jeff, é idêntica à que era emitida pelo sintetizador de fala do físico-celebridade britânico Stephen Hawking, que morreu em 2018 após enfrentar uma doença neurodegenerativa por décadas.

Apesar de tudo isso, o longa tem uma capacidade surpreendente de se impor pelas pequenas coisas, sem jamais parecer derivativo ou bobo. São detalhes como a mania de Finch de colocar o velho crachá de funcionário no pescoço logo depois de chegar em "casa"; as imagens do corpo sofrido de quem sobreviveu ao Armageddon já com certa idade nas costas; a maneira como o robô Jeff aprende absorvendo o conteúdo de livros escaneados, imitando os movimentos de seu criador, mas também cometendo os próprios erros, até se comportar de um jeito cada vez mais humano.

Com efeito, nas cenas em que o personagem de Hanks oferece uma espécie de intensivão de regras de comportamento e sobrevivência ao autômato, temos um vislumbre de uma das funções mais importantes da ficção científica: o experimento mental narrativo, um jeito único de investigar imaginativamente os limites do conhecimento. Será que agimos como pessoas simplesmente porque absorvemos o máximo de informações sobre o mundo ao nosso redor e transformamos isso em regras abstratas, ou será que existe algo mais nesse processo? Será que até robôs precisam passar por algo que chamaríamos de infância para se tornar plenamente inteligentes? Emoções e a capacidade de sonhar seriam características intrínsecas de uma mente autoconsciente?

Os esboços de respostas oferecidos pelo filme talvez não ficam muito atrás dos melhores manuais de neurociência de que dispomos hoje.

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