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Kristen Stewart diz que papel de princesa Diana é divisor de águas de sua carreira

Artista deu tudo que tinha ao filme, estudando a postura da personagem, seus maneirismos e seu sotaque

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Kyle Buchanan
The New York Times

Kristen Stewart às vezes é acusada de sempre interpretar variações de si mesma, como se isso não fosse boa parte da razão para que nos sintamos atraídos por estrelas de de cinema.

Em "Crepúsculo", de 2008, ela trouxe um apelo taciturno muito específico a uma heroína concebida como uma espécie de página em branco para atrair leitoras. Mais tarde, em "Personal Shopper", de 2017, quando Stewart troca as camisetas polo que costuma usar pelo vestido cintilante de uma cliente rica, é possível divisar tanto a estrela quanto a personagem contemplando o novo look no espelho. "Será que essa sou eu? Será que eu seria capaz de me transformar na pessoa que o espelho mostra?"

Inicialmente, seu novo drama, "Spencer", poderia parecer um gesto na direção dos espectadores que exigem uma transformação mais radical por parte da atriz de "Crepúsculo". Dirigido por Pablo Larraín, de "Jackie", o filme é um retrato psicológico da princesa Diana quando ela perde o controle, e depois o recupera, ao longo dos três dias de um feriado natalino.

Em vez de contratar uma atriz britânica, Larraín escolheu Stewart, uma figura californiana, contemporânea e cool, que apareceu para nossa entrevista usando um terno vermelho com riscas pretas e mangas arregaçadas que expunham uma pequena constelação de tatuagens.

A atriz que se acomodou diante de mim na sacada do Sunset Tower Hotel, em West Hollywood, talvez não parecesse a escolha óbvia para interpretar a princesa do povo, mas uma coisa estranha acontece à medida que você assiste a "Spencer" –a distância entre as duas mulheres, que parecia inicialmente tão imensa, vai se reduzindo até o ponto de a seleção de Stewart para o papel parecer a mais astuta decisão de elenco de todos os tempos.

A atriz, afinal, sabe uma coisa, ou duas, sobre uma vida vivida aos olhos do público, sobre o escrutínio que um romance de alto perfil atrai e sobre momentos privados que terminam roubados pelos paparazzi.

Stewart deu tudo que tinha ao filme, estudando a postura de Diana, seus maneirismos e seu sotaque. O desempenho resultante, poderoso e provocador, a põe entre as favoritas na disputa pelo Oscar de melhor atriz no ano que vem.

"Eu costumava achar que precisava de espontaneidade e ansiedade para me propelir a alguma coisa verdadeira e que, se eu tivesse controle demais sobre o processo, a coisa imediatamente se tornaria artificial", disse Stewart. "Eu simplesmente não tinha confiança suficiente para deixar isso de lado e imaginar que seria capaz de construir um papel."

Mas Larraín confiava na capacidade de Stewart. "Ela é como uma atriz das décadas de 1950 ou de 1960", disse o diretor. "O que ela está fazendo na história do filme pode ser um personagem muito centrado, mas a interpretação é elevada a um nível poético que cria muito mistério e intriga. E esse provavelmente é o melhor coquetel que você pode encontrar para um desempenho diante das câmeras."

Stewart sabia que aceitar o papel em "Spencer" seria um desafio e, nos dias que antecederam o início das filmagens, treinar incessantemente o sotaque britânico da personagem a levou a travar as mandíbulas em diversas ocasiões. Mas quando a filmagem foi iniciada, e ela enfim começou a canalizar Diana, o medo desapareceu."

No final da primeira semana, eu já estava sentindo que aquele era o melhor trabalho da minha vida e que nunca tinha me sentido tão viva", disse Stewart.

Qual foi sua primeira impressão quando Pablo Larraín propôs 'Spencer'? Ele tinha muita certeza de que eu seria capaz de fazer o papel, mas achei que era uma ideia audaciosa e louca, porque não me parecia a escolha mais instintiva e imediata.

Ele chegou a dizer que tinha de ser você? Ele me disse que havia alguma coisa em Diana que nós jamais poderíamos conhecer e que eu o fazia sentir a mesma coisa. Disse que tinha visto os meus trabalhos e que era impossível saber o que meu personagem estava pensando, em cada um deles. E eu me sinto da mesma maneira sobre Diana.

Mesmo que sinta uma atração enorme por seu espírito e energia, há algo nela que me desarma. Quero conviver com ela. Quero apostar corrida com ela em um longo corredor. Quero, sei lá, conhecer o filho dela.

O que emergiu sobre Diana, em sua pesquisa? Havia muitas camadas a interpretar. Havia muitas maneiras pelas quais ela buscava se revelar que não aconteciam necessariamente na forma de uma declaração aberta. Ela não era autorizada a simplesmente dizer que "ele não me ama, e isso me mata". Acho que a maneira pela qual ela se expressava é muito interessante porque existem muitas lentes entre você e aquela comunicação.

É mais ou menos como não reconhecer que todas as pessoas do planeta estão sentadas conosco nesta varanda. Temos que fingir que isso não acontece, porque estamos sendo gentis um com o outro. E isso é bom! Mas também estamos falando para o mundo todo agora.

E eu estou pedindo que você seja vulnerável comigo, como se aquilo que você vai dizer aqui não fosse terminar recortado, retransmitido e retuitado por pessoas que não estão presentes. É uma aposta no escuro, com certeza. Seria possível escrever um longo estudo sobre os diálogos entre jornalistas e atores. Não estamos aqui para isso, obviamente, mas, sim.

De algum modo, estamos. Diana tinha de ser incrivelmente esperta quanto à sua imagem e à maneira pela qual ela era usada e ao mesmo tempo irradiar completa autenticidade. Os atores precisam fazer o mesmo. Todas as maneiras pelas quais nos esforçamos para tocar os outros têm de ser projetadas de dentro. Portanto, são formas de manipulação. Você quer que alguém o compreenda; quer fazer com que alguém se sinta como você se sente. É triste pensar sobre ela, em geral, porque era ao mesmo tempo muito cobiçada e amada, mas também rejeitada, e se odiava às vezes. Essas coisas nunca deveriam andar juntas.

A menos que algumas delas sejam causa e outras efeito. Será que reagimos a ela de uma maneira que talvez causasse isso? Quando ela era chamada de princesa do povo, isso implicava alguma forma de propriedade? Com certeza, e acho que era algo que ela tentava cultivar. Creio que ela se esforçava por encontrar qualquer aceitação calorosa, quando em casa era evidente que se sentia invisível e sufocada e que ninguém a ouvia naquele ambiente frio. Ela foi a primeira pessoa na história da família real britânica a tocar nas pessoas, tocar seus rostos, sem usar luvas. Isso causou um abalo profundo.

Como você encontrou uma maneira de equilibrar algumas das contradições dela? Há pessoas que dizem que "ela nunca dizia palavrões". E outras lembranças eram do tipo "ela já entrou xingando". É difícil saber como ela era.

No caso de pessoas famosas, é comum ouvir alguém dizer que "eu encontrei tal pessoa um dia, e ela não foi agradável". Mas às vezes seria o caso de perguntar se a pessoa que está reclamando interceptou alguém famoso saindo do banheiro para perguntar como seu dia estava indo. Talvez a pessoa famosa não tenha sido agradável em um momento como aquele. As pessoas adoram resumir toda uma personalidade com base em uma única experiência. É preciso tomar as perspectivas de todos, juntar todas elas, e de alguma maneira desenvolver a sua.

Você claramente fala por experiência. Mas, em outras entrevistas, eu percebi que hesita em traçar uma comparação direta entre suas experiências em situações públicas e as de Diana. O motivo porque reluto de alguma forma em admitir a comparação é que jamais me disseram para ficar lá quietinha, de maneira tão dolorosa e desonesta quanto aconteceu no caso dela. Eu realmente funciono em um lugar onde existem impulso, descoberta, honestidade verdadeira e espontaneidade.

Mas ainda assim você sabe bem o que é estar exposta a um nível elevado de escrutínio público. Sabe o que é ter momentos pessoais roubados por fotógrafos. Se acredito que as mulheres são tratadas de maneira injusta e criticadas de maneira muito mais aberta do que os homens, pela imprensa? Com certeza. É uma conversa de que quero participar. Mas fiquei muito famosa fazendo filmes, e a situação de Diana parece diferente.

Ela acreditava em um ideal que terminou por se provar claramente falso. Se ela soubesse que estava se casando com um sujeito que não a amava... Portanto, quando as pessoas dizem que ela sabia exatamente o que estava fazendo quando aceitou se casar, não, não foi isso que aconteceu.

Mas essa não é uma crítica frequentemente feita aos astros de cinema igualmente? Que eles não deveriam se queixar dos paparazzi porque sabiam o que viria quando aceitam certos trabalhos? Sim. Em termos muito diretos, eu não queria ser famosa. Queria ser atriz. E reconheço completamente que as pessoas podem argumentar que eu não deveria reclamar e que uma coisa não acontece sem a outra. Mas parece uma punição cruel e injusta fazer aquilo que você ama e de repente ter de sentir "calma lá, acabaram de me empurrar, ergueram minha camisa por cima de minha cabeça e me fotografaram?". Porque isso eu não escolhi.

Por que você escolheu ser atriz, então? Sempre digo que isso aconteceu porque ser atriz era o único trabalho que uma criança podia ter em um set de filmagem. Minha mãe é supervisora de roteiros, meu pai é diretor assistente e, por isso, eu passava um bom tempo em sets de filmagem, e havia uma espécie de mentalidade de circo que era divertida demais.

Seus pais se surpreenderam por você escolher esse caminho? Você começou a trabalhar como atriz profissional aos oito anos. Sim. Se você pensa em atores mirins, imagina marias-chiquinhas, sorrisos para a câmera e vaselina nos dentes, e eu não era uma menina daquele tipo. Era muito parecida com meu irmão. Fui a estrela infantil e, por favor vamos usar aspas em torno do termo, menos carismática que você possa imaginar.

Mas acho que o motivo de eu ainda ser atriz, o que realmente tiro do trabalho, é que existem muitas versões de você que são hipoteticamente possíveis na terra dos sonhos. Posso viver mais. Posso fantasiar. E a fantasia não significa que não seja real.

The New York Times, tradução de Paulo Migliacci

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