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Lenny Niemeyer encerra SPFW com desfile apoteótico sob curvas de museu no Rio

Ressaltando a fragilidade do homem perante natureza, ícone da moda praia usou elementos marítimos para criar poesia têxtil

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Niterói (RJ)

Por mais estranho que possa soar um evento cujo nome tem São Paulo como prefixo terminar uma edição no Rio de Janeiro, há pessoas que de tão importantes têm poder para driblar qualquer rixa entre os dois estados. Lenny Niemeyer é, seguramente, uma delas.

Sob o crepúsculo fluminense e as linhas sinuosas do complexo Caminho de Niemeyer, em Niterói, a estilista de moda praia ícone do país encerrou a primeira edição presencial pós-pandemia da São Paulo Fashion Week com uma apresentação apoteótica.

Numa das imagens mais poderosas registradas na história da semana de desfiles, ela comemorou ali 30 anos da trajetória que balizou o entendimento do mundo sobre a costura ensolarada brasileira, na qual o concreto, a areia e o calçadão se fundem de maneira singular.

Nascida na orla paulista, em Santos, mas radicada no Rio, que, sem ressalvas, considera a filha adotiva lenda viva das festas intermináveis da zona sul e do estilo "bain couture", a alta-costura de banho, a estilista provou mais uma vez que a tanga e o maiô não resumem nossa praia.

Inspirada pela tragédia humana da pandemia –que a fez deixar de lado a ideia de produzir uma de suas festas nababescas–, ela silenciou o burburinho comum aos desfiles logo no início da apresentação, realizada dentro da meia esfera branca que abriga o Museu da Ciência e Criatividade. O nome não poderia ser mais representativo.

Imersa em projeções das regiões abissais do oceano, a plateia esperou o barulho das águas cessarem, após longos minutos, para ver a primeira modelo entrar com uma espécie de eclipse ilustrado em um maiô de um ombro só. Era como a escuridão do mar e o alinhamento entre os planetas tecidos em lycra.

Paulatinamente, à medida que o homem submergia da escuridão, a cartela de cores se abria para azuis e efeitos de luz, como se, saídos da clausura e do blues pandêmico, começasse a vislumbrar os feixes chegarem ao corpo.

Na série de looks de costuras geométricas, era possível ver a inspiração botânica que acompanha a obra de Lenny ao longo das décadas, a arquitetura que molda e transforma os corpos na cadência dos passos e o raciocínio lógico para entender as curvas femininas –aliás, esta um das várias interseções entre o trabalho da estilista e de seu ex-sogro, Oscar Niemeyer.

As pétalas das flores que ela tanto admira serviram como camadas de tecido aplicadas nos ombros, e o formato de suas copas basearam as costuras de vestidos esvoaçantes e extremamente leves presos ao corpo apenas pelo pescoço.

Podemos dizer que a coleção é sobre a terra e o que de mais natural e vivo ela mantém em meio ao descalabro humano –das referências mais óbvias, como os tons terrosos aplicados em biquínis gráficos e bodies com decotes voluptuosos, até as mais borradas, com uma aurora boreal estampada na roupa.

Como se nos lembrasse que a fragilidade do homem não detém o furor da natureza, Lenny costura ondas em vestidos nos quais se veem correntes marítimas em borrões azuis e contrapõe à magnitude delas a peças pintadas com o efeito da luz sobre o óleo.

Em um dos maiôs com ponta lateral que saía da linha da clavícula, a estilista estampou a imagem símbolo de um ensaio, cujas fotos inspiraram a coleção.

Tudo se resumia ao rosto de uma mulher que vê o mundo pelas frestas da persiana, iluminada apenas pelas retas de luzes que entram por elas, numa tradução do estado do homem na clausura. Ombros marcados em macacões do tipo surfista, as long johns, produziram a imagem de armadura contra a correnteza impiedosa da doença que, tal como as ondas, varria o mundo.

Mas há otimismo nessa poesia têxtil. No último look, um conjunto de calça e casaco envelopado como quimono, o cinza concreto pincelado com laranja crepuscular anunciava que, no final do túnel sombrio, havia luz.

E ela veio quando os convidados saíram do espaço interno do prédio para acompanhar a fila de modelos descer pela rampa externa da construção, iluminadas apenas pelo alaranjado pôr-do-sol e tornadas pequenos pontos de cor justapostos à imensidão do mar em suas costas.

A vida lá fora ainda existe, costurou Lenny Niemeyer e sua equipe, aplaudidas de pé por quem assistiu e por suas modelos, que choraram de alegria para compor a fotografia, o instante mágico de um clique feito para perdurar por vários anos.

O jornalista viajou a convite da marca Lenny Niemeyer.

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